das descobertas

não que me lembre com detalhes do sentimento ou mesmo de imagens daquela época, mas a sensação de mudança ficou registrada quase como uma foto. é mais ou menos como andar de montanha russa: você pega a fila e bate papo enquanto dá os passos em direção ao carrinho; escolhe o assento quase distraidamente e, quando percebe, o carrinho começou a andar. como um filme acelerado, você revê os últimos passos dados pra chegar até ali e se pergunta como é que o “tec-tec-tec” do trilho na subida já começou e nem nos demos conta.

já deixei de ser criança e adolescente (mesmo moça, convenhamos) faz tempo, mas e daí? aquela é a época da fila e da lenta subida da montanha-russa antes da primeira queda. ainda me pergunto como fui parar ali, mas nunca me arrependi do brinquedo escolhido e nem do assento tomado; morro de medo das subidas, mais que das descidas, e sempre acho que pode ser hora de desistir. não desisti nunca, no entanto, e confesso que o prazer das descidas, do novo, ainda me move e me enche de felicidade.

eu tenho mania de metáforas, e queria é falar dos fatos: minha iniciação sensual (sexual, sensorial, sejamos amplos) foi uma mistura de encantamento e decepção. descobri que eu era um universo de sensação (e foi encantador) mas também descobri que o outro nem sempre estava preparado ou disposto para a exploração daquele universo (a decepção). sabia que queria e podia mais, mas o apaixonamento era uma bola de ferro nos meus pés. não havia percebido, ainda, que amor e sensação não têm relação direta.

volto à metáfora: eu sabia que podia suportar descidas e medos maiores, mas aproveitei as pequenas surpresas enquanto a hora das descobertas não chegava. até que ele chegou.

eu era uma menina de 18 anos e, por mais que soubesse do que podia ser, era só potência, entendam. ele, 10 anos mais velho, me arrebatou num furacão de sensação e surpresa, ele bebeu cada gota do que eu tinha pra oferecer naquele pedaço da história. não esqueço do espanto, da roda-viva e da paixão que me tirava o sono — e não, não era amor. era paixão pura, se desenhava nos meus sonhos e na minha pele, em cada beijo roubado, cada toque mínimo no meu corpo. ele me descobriu pra mim mesma, foi meu espelho e me mostrou o que o futuro reservava.

foi breve e ficou marcado — mais que qualquer das tatuagens que carrego aparentes. todos os sons e sentidos que exercito com muito mais plenitude hoje, têm sim a marca dele. ele me ensinou, com seu exemplo, o quanto eu gosto dos cheiros e gostos; ele me presenteou com a verdade sobre mim mesma (embora eu tenha tentado ainda me enganar por alguns anos). ele me conheceu mais do que eu viria a me conhecer nos próximos 10 anos.

hoje, com 32 anos, sou de fato aquela que ele viu por trás da adolescência. ele tirou meu retrato verdadeiro e eu, embora não tenha me reconhecido na época, guardei a imagem com carinho. durante as minhas subidas e descidas, o olhar dele foi o horizonte. eu sabia que aquela mulher me esperava, em algum lugar. ela está exatamente aqui, agora.

hoje acordei pensando nela e, é claro, lembrei dele, o primeiro homem de fato da minha vida, o primeiro que me deu presentes de mulher, mas que me levava para tomar sorvete e caminhar na grama. a primeira grande descida da montanha-russa.

talvez ele se lembre de mim simplesmente como aquela menina espevitada ou quem sabe nem se lembra. eu só queria dizer “obrigada”.

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  1. Belíssimo texto! Não pude deixar de enquadrar-me na situação descobertas sensuais, e volta e meia vi-me refletida entre as tuas palavras, relembrando fatos de 3, 4, anos atrás e que me marcaram de forma tão profunda que são refletidos na minha primeira tatuagem: mudança!

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