se eu disser que já não sinto nada
que a estrada sem você é mais segura
(…)
e quanto finjo que esqueço
eu não esqueci nada
(…)
não é que eu queira reviver nenhum passado
nem revirar o sentimento revirado…
**
.. mas é que perder um amor presa numa jaula de impotência causa erosões internas, buracos inesperados. não é como o rio que passa e carrega as pedrinhas, dia a dia, e o leito se abala aos poucos; a gente meio que adivinha que a água vai mudar de curso, vê as estruturas desmoronando. a surpresa do fim é terremoto, deslocamento de camadas tectônicas internas.
aqui dentro desse pedaço de corpo onde fica o coração parece que caiu uma bomba e ficou o buraco; ou que alguma coisa se foi sem eu saber pra onde. a gente sabe que não vai morrer e nem se acabar, mas tudo se mexe lá dentro pra ocupar o vazio e não deixar o estrago piorar e matar um pouco mais — e mexer coisas de lugar sempre dói, vocês sabem.
durante o dia e a noite da bomba me senti tremendo toda por dentro e qualquer silêncio de poucos segundos trazia lágrimas quentes, aquelas que vêm de um lugar diferente das outras — as lágrimas de dor pura, sem intermediários. quando pude finalmente ficar só e deixar minha paisagem interna se recompor, doeu. minha memória brincou comigo de reviver cada pedaço da vidinha do meu amigo que passou — ele pequenino, cabendo na minha mão; ele arrastando coisas muito maiores que ele; ele procurando meu colo quando eu chorava, lambendo minhas lágrimas muitas e muitas vezes; ele dormindo feito um anjinho; ele sozinho enquanto eu me preocupava mais com um homem insensível e suas maluquices; ele feliz e brincando sozinho ou com os irmãos, fazendo tranquinagens; ele dormindo no meu travesseiro; ele no último dia que nos vimos, deitadinho no tapete e brincando comigo.
não foi só um amigo de 5 anos e meio que se foi; uma boa parte do meu passado deste período foi embora com ele, pra sempre. revisei tudo, bom e ruim, e coloquei coisas nos seus devidos lugares. na verdade, nem ele e nem meu passado foram embora, eles só estão agora no lugar certo: no passado, na lembrança. não é fácil trocar essas coisas de lugar e deixar ir o que efetivamente se foi. ele está no jardim dos furões, brincando e dormindo com o pastel-rabugento; meu passado, do mesmo jeito, foi pro arquivo-morto de vez.
durante o luto, deu-se a dolorosa mudança da minha paisagem interna. percebi, não sem espanto, que chegou o fim da era de não acreditar. houve um homem que passou pela minha vida destruindo meu jardim de flores; ele acreditava (e me fez acreditar, por um tempo) que graças a ele, graças à sua influência, eu passaria a ter fé. ele estava errado — tudo o que ele me fez ver foi o quanto ele era um carente reprimido e quanto eu era forte. quem veio a esse mundo pra me fazer ter fé foi ele, o pequenino pixel. durante a madrugada na qual me despedi dele foi quase como um CLIC: eu acredito num mundo além desse, onde nos encontramos com todos aqueles que amamos. acredito que ele e o pastel vão estar lá quando a minha hora de ir chegar, sim. hoje eu choro de vez em quando porque tenho muita saudade dele aqui por perto, mas logo passa.
enquanto ouvia o som das ondas batendo nas pedras, no hotel na beira do mar, percebi como é bobo acreditar em elétrons, átomos, teoria do caos e sentir vergonha de acreditar no jardim dos furões.
eu acredito. e penso, com certo espanto, que não há de ter sido à toa que o pixel veio viver (e morrer) comigo.
Zel,
Esse foi um dos posts mais lindos. Concordei intimamente com o dito sobre o paraíso dos furões. Só quem perdeu alguém que muito amou (e ama), sabe o quanto é necessário acreditar no depois. Triste pensar num fim eterno.
Beijo e fique em Paz.
Zel, vc é uma coisa fofa. Te amo.
Eu também acredito, querida. Todo dia.
Eu sou chorona e você sabe…transferi isso até pra minha geração. Sou das que “chora porque gosta”.
Mas agora exagerei: no trabalho e chorando que nem louca, ficando com cara de Araci de Almeida, ultrapassei os limites.
O povo do meu lado não tá entendendo nada!
Mas foi mesmo um dos posts mais bonitos que li.
Bj
Não costumo entrar em blogs, não gosto muito de blogs, uma amiga comentou que tinha lido algo por aqui e vim conferir. Com certeza uma das coisas que li e que mais me tocou na minha vida. Talvez só quem tenha passado por esse tipo de coisa tenha noção da profundidade da dor, da perda, da falta… E as lembranças que vieram juntas com suas palavras… Lindo demais, mas quisera do fundo do coração nunca ter lido…
:”-) Amo você!
Acreditar no jardim dos furões e no encontro com os amigos é que nos faz continuar vivendo… o que seria do mundo se todos acreditassem que entrar no caixão é o fim de sua existência e que nada mais fará diferença?
Beijo!
Fica bem, assim o pequeno fica bem também =)
Zel, ler o seu post me fez sentir a compaixão mais pura (com+paixão), que não sentia há tempos. E como a ké aí de cima, também chorei na mesa de trabalho, pensando em vc, no Pixel que vi poucas vezes e no incrível jardim das gatas persas. Bjs e saudades!