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Peixes é surreal

Em geral, as análises de Peixes pecam por excesso de explicação lógica. Entretanto, o seu mundo combina mais com o cinema de Luis Buñuel, com as imagens dos nossos sonhos ou com as metáforas do I-Ching.

Sempre associado à busca do êxtase através das drogas, da religião e da orgia, Peixes trata da experiência humana de dissolução dos limites. Por isso não há signo mais próximo do irracional como este. No mesmo lugar nascem o sonho e o pesadelo. E também os mitos.

Assim como o carnaval, Peixes não tem limites. Por isso acaba sendo o deus da metamorfose, que não tem barreiras para ser o que quer que seja. Dessa forma, ora se veste de herói ora banca a vítima. Num dia tem certeza, noutro está confuso. Ora é delicado a ponto de perder sua vida (1), ora é violento com olhos esbugalhados. É claro que há aqueles que tentam sufocar o que é imprevisto, buscando organizar a vida com uma lógica racional elevada ao cubo. Puro medo de perder a estribeira, de mergulhar no caos.

Andrógino por natureza, Peixes é um trapezista. Um músico, um poeta, um sonhador. Muitas vezes considerando-se um gênio (lembre que ele realmente está mais próximo da imaginação), acaba se esquivando de ver a realidade. É um sabonete em relação ao compromisso. Por isso esquece de pagar as contas. De escrever aquele poema. De compor a próxima canção de sucesso. De assinar o contrato de trabalho.

Por outro lado, cobre quem passa frio. Recolhe aquele indefeso cãozinho. Paga uma bebida ao bêbado. Medica quem está no meio-fio. Acolhe quem precisa de deus. E assim vira um salvador, um cristo, um enfermeiro. É o signo da compaixão porque se vê gravemente ferido. Só quem sofre ouve gemidos. Também é o signo da empatia, o que o faz ser o artista máximo da música.

Amante das anestesias, Peixes passa muito tempo dormindo. Junto com os desvalidos, ao lado do erotismo, abraçado com o sagrado, ajoelhado com o sacrifício. Nunca sabe se o sonho é realidade ou se a realidade é sonho. E quem sabe? Às vezes espera uma solução ou um amante romântico que o conduza às nuvens para sorver aquele vinho tinto.

O escritor Mário Prata, o beatle George Harrison, a atriz Regina Casé, a atriz Elizabeth Taylor, o arquiteto Lúcio Costa, o criador da Teoria da Relatividade – Albert Einstein, o compositor Macalé, o maestro e criador dos sons do Brasil, Heitor Villa-Lobos, são todos piscianos.

Regido por Netuno, o deus da Ilusão, Peixes trata da experiência de se desapegar do que é falso, fluir com aquilo que é música, nadar no encantamento, aceitar o acaso. Em outras palavras, bailar com a vida, que já é suficientemente surreal.

(1)

(…) inútil beleza

a tudo rendida,

por delicadeza

perdi minha vida.

Ah! que venha o instante

que as almas encante.

(Arthur Rimbaud, Canção da mais alta torre. Tradução: Augusto de Campos)

por joão.

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