pandora

amo intensamente e cada vez mais quero o romantismo, o carinho, a delicadeza no dia-a-dia, os pequenos gestos de amor. com o tempo, percebi que negar o romantismo e as demonstrações de carinho era uma defesa. eu tentava proteger o que há em mim de mais doce e delicado. mas descobri a tempo: quero flores e beijos, colo e palavras doces, sim.

no entanto, quando se trata de sexo, há outra dimensão: não é possível “fazer amor” comigo. é possível me dizer palavras doces e trazer flores, mas quando meu corpo é tocado ou minha boca é beijada, algo em mim se liberta, como um bicho faminto. minha boca tem sede de mais saliva e pele, meu corpo não suporta a roupa que o cobre, não sou mais mulher, sou fêmea. minhas mãos agarram cabelos; desesperadas, procuram brechas para tocar pele nua. é uma tal ânsia que mal controlo minha respiração — suspiro mais que respiro — a boca fica entreaberta e os olhos nublados. respiro o calor e o delicioso cheiro de pele, fecho os olhos para beber melhor. meus peitos querem sempre chegar mais perto, e quando há mãos que descem pelas costas, sinto um arrepio de morte. balbucio quase-palavras, não sou mais eu, sou a fera, só instinto: olfato, paladar, tato, audição; minha visão se resume às cores do meu mundo interior em transe.

penso que jamais serei capaz de emular cenas tórridas e plásticas de cinema, com protagonistas em pé. minhas pernas fraquejam tanto quanto minha respiração/suspiração, preciso me recostar, me estender. a fera quer rasgar roupas e bagunçar cabelos, morder, arranhar, esfregar-se em cada centímetro de pele, escorregar no suor e na saliva, lamber preguiçosamente e sentir o sal e os cheiros de outro ser vivo, salivando cada vez mais faminta. o corpo fica mais sensível e ao mesmo tempo pede mais força, firmeza, quase violência. bons domadores me tocam com doçura nos momentos mais tensos, mas sabem (ou deviam saber) que só adiam o furacão que ganha ainda mais força. minha urgência se vê, se ouve, se sente, é tempestade se formando em nuvens pesadas de água.

não adianta me chamar pelo nome, dizer palavras doces ou pedir calma. não, não tenho calma nem sou dócil e quase não sou mais eu. ah, jamais fui capaz de repetir as cenas mágicas de sexo-amor dos filmes (será pura ficção?): o ritmo lento e sensual do início, olhos nos olhos, um crescendo que se encaminha para o esperado final silencioso, culminando com sorrisos e beijos doces, no ritmo da trilha sonora. meu sexo é atonal, desrítmico, fora de compasso e de eixo. não há trilha sonora possível para o que é urgente e furioso, há ausência de palavras pronunciadas, toda minha razão e consciência abrindo espaço para os sentidos, meu corpo inteiro é que diz: sou sua!

não sei bem quem é essa, essa outra. ela tem seu próprio espaço, sua própria voz. eu a deixo livre e ela me alimenta de prazer puro, de alegria. sei que sorrio e me espreguiço quando a fera se acalma, acho graça do espanto e/ou reverência que essa manifestação explosiva da natureza inevitavelmente provoca. me sinto poderosa, veículo de algo divino libertado nesse mundo maravilhoso.

Deixe um comentário