carência é doença

aviso aos incautos: assunto cabeludo à vista!

posso falar de cátedra, porque sofro desse mal: como é triste fazer de tudo, qualquer coisa, pra achar que está sendo amado.

percebam a diferença entre ser amado e achar que é amado, é importante. tão importante quanto se contentar com migalhas de amor, mesmo que sejam restos, pedacinhos minúsculos e daquela parte que nem era bem a que eu queria.

já me submeti a situações indescritíveis pra receber atenção. desde fazer dietas imbecis pra ser mais magra e contentar sei lá eu quem, até dizer sim às violências emocionais mais escrotas. o pior de tudo é que durante o processo de submissão voluntária eu jurava de pé junto que tudo o que eu fazia era por mim mesma, que era para o meu bem, não é pra ninguém gostar mais de mim, não, tá?

eu já comi comida que não queria, trepei sem estar a fim, convivi com pessoas que execro, fui a festas odiosas, freqüentei lugares inaceitáveis, me matei pra emagrecer quilos que não estavam fazendo diferença nenhuma pra mim, ouvi desaforos que não me pertenciam, comprei brigas e assumi culpas que não eram minhas, ouvi histórias de pessoas que não me interessam, li livros que não queria ler, vi filmes que acho uma merda, ri de piadas sem graça, fiz programas detestáveis, coloquei roupas vulgares pra alguém me olhar, escrevi mentiras-sinceras pra agradar, omiti verdades pra não perder a amizade, me fiz de modesta pra cavar elogios, tirei boas notas pra agradar, me expus pra ver se alguém me enxergava. minha memória seletiva de impede de seguir adiante, felizmente.

tudo isso pra receber pequeninas aprovações, sorrisos mixurucas, nesguinhas de amor.

quem é assim não aprende do dia pra noite a parar de caçar aprovação e migalhas de amor. primeiro porque a carestia é profunda, e antes de mais nada é preciso entender onde está a falha na fábrica que nos forma. é como um rasgo, que quanto mais tentamos cobrir, mais expõe de nós mesmos. essa fome de amor nos faz, curiosamente, amar com fervor justamente aqueles que mais nos negam amor e atenção. a repetição de uma história que não lembramos, talvez pra que possamos enxergar, eventualmente.

eventualmente eu enxerguei e entendi. e foi assim: eu me desdobrava em mil e recebia em troca quase nada. pra não enlouquecer, contava pra mim mesma as mentiras mais absurdas que justificassem minha miséria. até o milagroso dia em que percebi que podia e devia exigir exatamente o que quero e desejo, não menos. e que não precisava ser um mico de circo fazendo piruetas pra ganhar docinhos, não senhores.

descobri que as pessoas podiam me amar exatamente como eu sou e até apesar disso. e que eu não precisava nem fazer truques e malabarismos e muito menos me contentar com restos.

não me viro mais em 10, não faço o que não quero, não dou ouvidos a amigos chatos, não vou a lugares que não estou a fim, não minto pra agradar, não deixo minha família me incomodar, não me submeto às regras estéticas que não me dizem nada, não dou amor a quem não sabe receber, não aturo pessoas desagradáveis, não convivo com gente do mal. aprendi a colocar os meus interesses no topo da lista de prioridades, senão sempre no primeiro lugar.

e não engano a mim mesma, não: sei que não estou “curada”. essa é uma condição pra toda a vida, é preciso estar atento e não se deixar levar.

às vezes, pessoas como eu passam a imagem de serem super-legais, afinal topam tudo! a gente vai pras maiores roubadas, faz programas que ninguém mais aceita fazer, nunca diz não. sinto dizer que nós não somos legais, somos carentes. e essa necessidade de atenção constante não é coisa de gente mimada, como às vezes parece, é só o desejo inexplicável e nem sempre consciente de ser amado, de receber atenção.

imagina o corpo e mente de uma macaca velha com o emocional de uma criancinha vivendo dentro dela, aprisionado e fazendo gracinhas pra agradar. não é divertido.

se você é assim, como eu, procure ajuda e se cuide, porque esse modo de ser é como uma doença e atrapalha demais os relacionamentos; se você não é como eu, fique atento aos que são assim e dê um toque. às vezes, tudo o que a gente precisa é de um amigo de verdade que não tenha medo de botar o dedo na nossa cara.

10 comments to “carência é doença”
10 comments to “carência é doença”
  1. Coincidência ou não, este foi o tema (ou parte dele) da minha sessão de terapia de hoje. Eu vivi (e ainda escorrego) uma situação de rebelião e revolta com essa maneira de “conquistar” o amor do outro, que nunca conquistei realmente. Amor, amizade, pai, mãe, etc. Sempre fiz os dois extremos, ou agradava ou era rebelde e egoísta, mas nunca com a finalidade de me fazer bem.

    Policiamento constante, para mim é o que funciona.

    Até!

  2. zel, eu estou sempre aqui, há anos, mas quase nunca comento.

    esse post foi de chorar. só não chorei porque li aqui na “firma”.

    eu me identifiquei com cada palavra e sim, procurei ajuda e já melhorei absurdamente, mas é como você disse: é uma condição que vai nos acompanhar a vida toda. a gente não pode fraquejar porque ela aparece com força total.

    exemplo de hoje: entrando na “firma”, vi um cara que conheço de passagem e fui cumprimentá-lo e, além de não ter retorno, ganhei um olhar de desprezo. depois fico sabendo que a cara de nojo é sempre igual. aí eu pergunto: que importância uma pessoa horrível dessas tem que ter na minha vida? por que eu vou deixar que essa criatura mexa com a minha auto-estima? mantenho a educação e cumprimento sempre que encontrá-lo ou ele merece entrar na minha lista de deletados? que me importa se essa pessoa gosta de mim ou não?

    outra coisa complicada pra gente é aquela pessoa que fica seca com você assim, de repente. fala que é só cansaço, tpm, mas trata todo mundo bem, menos você. como se você fosse o saco de pancadas. aí, um belo dia, acorda, vê passarinho verde e resolve voltar a te tratar bem. e se revolta se você não fica radiante com a bondade dela em ser legal com você. é demais.

    complicado, zel. mas ouvir você falar que dá pra melhorar, que a gente DEVE se colocar no topo da nossa lista de prioridades, é uma baita ajuda.

    beijos

  3. bruna, eu entendo totalmente você e é muito foda mesmo. a gente tem que aprender a não deixar pessoas que não importam afetar nossa vida, e sei que não é fácil. procure se preservar, evitar contato com esse tipo de pessoa, lembre que você é mais importante, sempre 😉

    beijo!

  4. Zel, como sempre, te ler é uma delícia. Eu já comecei a melhorar. Mas ainda tem muita coisa pra mudar na minha vida, muita. Tem gente que pode nos chamar de egoístas ou de centralizadas demais, mas e daí. eu tou tão cansada das pessoas, Zel…mas só de certas pessoas ;). Um dia eu aprendo a me proteger de vez.

    Mil beijos!

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