recebi essa semana um comentário referente a alguns tweets meus, reclamando de ter dinheiro de impostos usados para realocar pessoas que vivem em áreas de risco. vou explicar qual é meu ponto, depois publico o comentário e a resposta.
resumindo: acho que as pessoas que escolhem viver em áreas de risco devem arcar com as consequências das suas escolhas. entendo que o estado gaste verba realocando essas pessoas, pois está fazendo seu papel de impor a lei e evitar tragédias, mas me incomoda e chateia.
há quem ache o bolsa-família paternalista; já eu, acho que arcar com custos de realocação é paternalista. a pessoa infringiu a lei, invadiu e ocupou território em local de risco? vire-se! principalmente porque as ocupações se dão também por conveniência: as pessoas ocupam lugares privilegiados do ponto de vista logístico e/ou natural. vejam a localização excelente da rocinha, ou da favela ali perto da berrini. as condições de urbanização são terríveis (e não vejo como ser diferente, inclusive porque essas pessoas não pagam imposto, a menor que a ocupação seja documentada depois), mas a localização é ótima.
são inúmeras as histórias malsucedidas de realocação de pessoas de favelas/locais de risco para moradias populares. as moradias são MUITO melhores que os locais anteriores, em termos de infra, mas são mais afastados, por motivos óbvios. e as pessoas não querem morar longe, elas acabam vendendo as moradias dadas pelo governo e voltam para as favelas ou áreas de risco! e peralá: por mais que seja injusto quem é pobre ter que morar longe, vivemos afinal num capitalismo, baseado no conceito de propriedade de terras. quem tem dinheiro pra pagar, mora mais perto de tudo, ponto final.
dito isso, insisto: as pessoas escolhem. elas preferem morar na favela perto de tudo a morar num local mais bem arrumado e bem mais longe. precisa pegar ônibus, demora mais pra chegar e custa mais. repito: eu entendo. mas que tal assumirmos que há pessoas fazendo escolhas conscientes aqui? dizer que essas pessoas são têm opção é uma inverdade; assumir que porque são pobres não têm discernimento é falso. elas sabem o que fazem, sim, e o fazem por um motivo claro. por que não podem arcar com as consequências?
penso que sem opção mesmo são aqueles pobres coitados que vivem em regiões sem água e comida, e que decidem imigrar para as grandes cidades. no caso deles, é ficar lá e morrer de sede e fome ou vir morar nas cidades. entre morar debaixo da ponte, na favela, na periferia no fim do mundo há um mar de escolhas, de prós e contras, percebem?
o papel do governo é fazer com que se cumpra a lei e as regras: áreas de risco não devem ser habitadas. ocuparam? desocupe, mande pra outro lugar, está correto. com o dinheiro do meu imposto, que podia estar sendo gasto em educação, saúde ou qualquer outra coisa. essas pessoas deviam ser punidas, além de realocadas, pois infringiram a lei.
e segue abaixo o comentário da laura e a minha resposta. porque eu (e milhares de outros) também tive obstáculos, e não escolhi o caminho mais cômodo. e se escolhi, arquei com as consequências.
agradeço à laura pelo comentário super educado, e pela oportunidade de falar mais um pouco sobre como eu vejo essa questão. não pretendo esgotar o assunto e nem dizer que somente minha opinião é a correta. quero é colocar o assunto em perspectiva.
**
Zel, estava lendo seu blog e gostaria de dar minha opinião sobre seus tweets acerca do imposto que você paga e daqueles que moram em áreas proibidas e de risco. Primeiramente, acho complicado generalizar. Fiz um trabalho para a escola que consistia justamente em entrevistar moradores ilegais de áreas encosta. A situação deles é deplorável, conheci muitos que já haviam perdido tudo mais de uma vez e mesmo assim continuavam lá. Por que? Porque essa é a melhor opção deles. Seu maior problema é ver o imposto que você paga ajudar pessoas honestas e outras nem tanto – claro, sempre existem os aproveitadores, os desonestos, o ser humano consegue ser um lixo. Agora pense por exemplo nas famílias que foram desmembradas, soterradas e que perderam todo aquele pouco que elas tinham. Imagine mãe que enterra filho de seis meses e mesmo assim não deixa de morar em áreas ilegais e perigosas. E não porque ela é safada e quer fazer farra às custas do seu imposto, sim porque é a única opção dela. Só acho que é bom relativizar as coisas. Não é todo mundo que tem todas as chances e oportunidades que você teve. Eu já li nesse blog você dizendo que se considera bem de vida, rica para os padrões brasileiros. Imagine se uma parte do seu imposto ajudar a construir moradia para pelo menos uma família honesta. Isso já não valeria a pena? Eu sempre li seu blog e sempre concordei com suas posições, mas dessa vez seu discuro me pareceu elitista.
Não quero ofender, apenas quis dar minha opinião. Não que ela seja valiosa, apenas acredito no valor da discussão, da argumentação. Se leu até aqui, obrigada pela atenção e pelo respeito à minha opinião.
**
Laura,
Eu venho de uma família pobre. No nível de não ter o que comer, muitas vezes. Estudei sempre em escolas públicas, e pude somente estudar até os 20 anos graças ao sacrifício dos meus pais. Só pra você entender que hoje estou numa posição bem diferente, estou na chamada “classe a”, mas é mérito 100% meu. Tenho ex-colegas de escola que vivem ainda a mesma vida, e tiveram a mesma chance que eu.
Não entendo alguém colocar sua vida e a dos seus filhos em risco. Sempre há opção, sempre. A questão é se as pessoas estão mesmo dispostas a começar do zero, morar longe, pegar 2 ônibus pra ir pro trabalho (eu fiz isso até meus 28 anos, quando pude comprar meu 1o carro!). Meus pais, por não conseguirem pagar aluguel em áreas da cidade mais nobres, moravam longe e eu acordava às 5 e ia dormir às 23, todo dia. Boa parte desse tempo era gasto em ônibus. Muita gente não acha isso viável, prefere morar em favelas, encostas, ocupar áreas pra facilitar sua própria vida.
Existem os pobres coitados, sim, mas diante da minha história e a da minha família, tenho certeza (diferente de “achar”) que é possível levar uma vida possível, digna e honesta E viver decentemente sem infringir a lei.
Obrigada pelo comment!
Xiii!!! Zel, não concordo com a maior parte de sua argumentação. Gosto muito de te ler, mas raramente comento, pois direciono a escrita para o trabalho acadêmico sempre intenso (leio-a nos intervalos).
Esse é um papo longo e polêmico, que demanda horas.
Mas só queria sinalizar uma coisa: todos – e é bom grifar esses todos – pagamos impostos, mesmo os que vivem em áreas ilegais. Há quilos de estudos inclusive que as classes populares são as que mais pagam impostos, proporcionalmente. Assim, é preciso rever essa ideia de que exista uma classe sustentando a outra. Não que você tenha dito isso, mas seu argumento lembra esse equívoco muito comum.
Abraços e beijinhos no Otto
Val: concordo que todos pagamos impostos. Mas quem faz gato e invade paga alguns a menos, certo?
Dito isso, não acho que pago muito e nem sustento ninguém, não. Pagaria até mais de bom grado, se o dinheiro fosse usado direito. Meu ponto é que preferia ver nosso imposto gasto com educação, saúde e cultura e não realocando gente que escolheu morar onde mora.
Gente, eu voltei de Teresópolis ontem, muitas moradias que foram atingidas estavam bem longe de áreas consideradas de risco, a catástrofe natural foi mesmo gigantesca, atingindo muita gente que realmente construiu moradias em locais perigosos e também muita gente “inocente” nessa concepção que o texto aborda. Outro ponto: o dinheiro que o governo vai gastar lá é para reconstruir basicamente as ruas, estradas, pontes, saneamento básico, iluminação, etc, o dinheiro para construção de casas será financiado em sua maioria, ou seja quem perdeu a casa vai ter que pagar de volta, por mais que as condições sejam bem melhores que as dos financiamentos normais. Eu acho que o governo tem que ajudar sim, já que não previniu, agora o jeito é remediar…
Zel, concordo com vc quando escreve “Boa parte desse tempo era gasto em ônibus. Muita gente não acha isso viável, prefere morar em favelas, encostas, ocupar áreas pra facilitar sua própria vida.”
Eu poderia enumerar várias situações que vivencio, pq fácil é falar, poucos são os que saem a campo.
Gostaria de exemplificar falando das pessoas que sabendo que o Governo vai construir qualquer coisa, vão para essas áreas e constroem qualquer coisa que tenha um teto de alvenaria para serem então desapropriados e ganharem indenizações. Tendo casa própria, tá?
E aqui em Sampa mesmo e arredores…..
A vida só se dá pra quem se deu, já dizia Vinícius de MOraes. E viver dignamente não é fácil, definitivamente.
Bjs.
pois é… se o governo oferecer uma casinha longe da cidade, com uma terrinha para eles plantarem, acredito que poucos aceitariam, pois o capitalismo em que vivemos é confundido com a facilidade na aquisição de bens. minha vida também não foi fácil, só eu sei o que é pagar todas as despesas e ter um desconto absurdo no meu lucro mensal por conta dos impostos. sempre pago IR, pois não sei fazer cambalachos, então, sou a honesta, como você e milhares de brasileiros que pagam para outros viverem, mesmo que seja miseravelmente. gostaria muito de ganhar um apartamento no centro de são paulo, não precisar acordar 1 hora mais cedo para ir ao trabalho. enfim, a oportunidade existe para todos, mas não fica a somente alguns passos, a caminhada é longa e árdua. a salvação seria uma educação de qualidade, que, aliás, também pagamos por isso.
é isso, Zel, concordo com seu post.
Zel, sou um seu leitor esporádico. Não lembro de já ter comentado, mas geralmente gosto do seu texto e simpatizo contigo.
Achei tua argumentação neste post muito fraca. Lembrou-me um professor que tive, que dizia que pobre é pobre porque quer. Acho, realmente, que em ultima instância, é o que vc diz. Bolas, é óbvio que a coisa é mais complexa. Pobre, na esmagadora maioria das vezes, não sabe como deixar de ser pobre. Não é simplesmente uma questão de disposição, perseverança, paciência e/ou dedicação. Minha mãe passou anos tentando convencer a empregada a estudar e aprender a ler. Não conseguiu.
Se seus pais eram pobres e vc conseguiu o que conseguiu, certamente havia algum diferencial, não? E, creio eu, um diferencial cultural. Aquele mesmo que seleciona naturalmente, por exemplo, o público de um evento gratuito no CCBB, ou nos concertos gratuitos nos teatros municipais. Nesses lugares, pobre não vai. É a questão do pertencimento, de ‘saber o seu lugar’. A Mary fez um post que acho que tem tudo a ver:
http://maryw.posterous.com/43364303
bj e saúde pro filhote