(pergunta feita pelas moças do UP[W]IT)
Entendo que existem algumas barreiras que precisam ser quebradas, e infelizmente todas são muito estruturais, relacionadas à nossa cultura e difíceis de mudar – algumas profissões e inclinações são atribuídas a homens e mulheres como “naturais”. Meninas não são estimuladas a se envolver com e apreciar a física, matemática e a tecnologia; são antes ensinadas a cuidar, enfeitar, limpar, cultivar relacionamentos, ouvir, falar. É claro que todas e todos temos nossas inclinações inatas, mas elas são não mais que metade da equação de quem nos tornaremos – a outra metade é puro estímulo. Ou seja, em primeiro lugar: enquanto as famílias não estimularem os meninos e meninas igualmente, sem direcionar por gênero, teremos poucas meninas engenheiras e técnicas e poucos meninos enfermeiros e professores primários.
Em segundo lugar, a escola continua reforçando os mesmos estereótipos, pro anos a fio. E quando estas poucas meninas que conseguiram passar pela infância e adolescência sem acharem que não foram feitas paras as áreas de tecnologia entram em faculdades e cursos técnicos, e são hostilizadas. O ambiente (desde o início do mundo escolar, aliás) não promove a inclusão de mulheres, e muitas vezes reforça estereótipos, tornando a continuidade neste tipo de curso muito mais difícil. Formar-se em cursos de tecnologia é difícil por natureza, tudo que as moças não precisam é todo o entorno jogando contra. Então mudar o ambiente nas faculdades, escolas, cursos técnicos é urgente. Tenho achado inclusive que devíamos (nós, ativistas) nos concentrar mais e mais em estar presentes nas escolas falando para estas meninas e meninos, devemos abrir mais espaços de tecnologia amigáveis para meninas e moças, para que elas tenham finalmente liberdade de explorar e descobrir se essa área de atuação é a que elas amam. Precisamos estar mais presentes nas universidades, precisamos de grupos de apoio a estas mulheres para que saibam que não estão sós e como persistir, como mudar seu entorno. Sem apoio isso é muito difícil. Lembro quando entrei na faculdade (de tecnologia, o CSTC/ITA, em 1989) e METADE da turma era de mulheres. Éramos unidas, amigas, nos ajudávamos. Não sei como seria se fôssemos poucas.
Finalmente, precisamos mudar o ambiente empresarial para acolher as poucas que ultrapassaram as barreiras da infância e vida adulta para se dedicar à tecnologia. Não é à toa que tantas mulheres se tornam empresárias, autônomas, freelas – o ambiente corporativo é difícil pra nós. As que “chegam lá” criam uma casca tão dura que frequentemente se tornam iguais aos seus opressores e não mudam o entorno – elas se tornam parte do problema. A boa notícia é que as empresas multinacionais perceberam há alguns anos que diversidade é importante para o crescimento e maior lucratividade, e resolveram investir nisso. As empresas menores estão aos poucos entrando nessa onda, a discussão se expande para o mundo da politica e da academia, fomentada e apoiada pela ONU, que tem alcance global.
Claro que essas mudanças no mundo corporativo são excelentes e necessárias, mas realizar mudanças no mundo dos negócios, dos “adultos” é pouco; as ações que tomamos dentro do contexto corporativo não se estendem normalmente às casas das pessoas. Os pais, mães, tios, primos que estão participando de ações afirmativas nas empresas raramente levam isso pra dentro de casa e mudam sua forma de agir com as crianças que amam e convivem. Precisamos de mais gibis, programas de TV, filmes, novelas, livros, peças de teatro com mulheres cientistas, engenheiras, técnicas, empilhadeirista, motorista de caminhão. Precisamos normalizar a presença de mulheres nestes ambientes, pra que uma menina tenha liberdade de se apaixonar por, estudar e trabalhar com qualquer assunto, e não só o que nos ensinaram há séculos que é “apropriado para moças”.