butterfly
ele é palhaço, o nariz na testa, chapéu engraçado. carrega malabares e um sotaque indefinido. o andar denuncia vaidade de quem tem prazer em ser visto, ele mexe muito a cabeça, olha as pessoas nos olhos. eu, que observo com a boca um pouco aberta desvio rápido o olhar quando ele me olha sorrindo, fui pega de surpresa vasculhando gavetas deixadas entreabertas. ele senta sozinho, mas ao lado há uma menina. cabelos lisinhos, presos de um jeito que fica tudo solto, caindo no rosto, como uma cortina que mais mostra que esconde. ela é grande, um sorriso que não se disfarça na cara de quase séria. ela olha disfarçadamente, mas ele é artista, ele sabe. procura com calma dentro de uma bolsa de cor indefinida, lá no fundo, mostrando que está à procura… e tira uma flor minúscula. com caule, folhas e pétalas, roxa, de papel ou arame, não sei. do tamanho de um dedinho. ele oferece à moça sem dizer nada, o sorriso só nos olhos. ela abre os olhos com jeito de menina pequena, a boca aberta como quem diz “é pra mim?!” e pega de leve, cuidando da flor. agradece com os olhos baixos, brincando com ela nas mãos, encantada. ele olha sua ex-flor quase com saudade, se inclina pra vê-la na mão da nova dona. sim, foi ele quem fez. palavras sem importância, instantes de decisão até que o trem pára. os dois se levantam, juntos. ela é grande, ele quase voa. falam sorrindo, ela mexe no cabelo sem parar, ele ajeita o chapéu. saem andando pelo saguão e eu continuo sentada, olhando. sopro um beijo de boa sorte sem que eles saibam; ele voa até o ombro dela e pousa, feito borboleta.