(Meu café da manhã de todo dia — frutas, aveia e sementes, café com leite, pão de levain que eu mesma faço, e manteiga)
Ontem fiz uma combinação indesejada pra idade: acordei muito tarde e tomei café à noite. Diferente de uns anos atrás, o sono demora mais a chegar e dá mais tempo de pensar na vida, em mim mesma, até adormecer.
Repassando o dia, e a semana (vocês também fazem isso? Pensar no que aconteceu, como se sentiram, se foi bom ou ruim e o que é preciso estar atenta? Eu faço. Como um “especiais da semana” e coisinhas que quero experimentar, mudar, melhorar), me dei conta de uma mudança muito importante na minha relação com a comida, e quero falar um pouco disso.
Desde que percebi que dietas foram responsáveis pela minha obesidade no decorrer de 20 anos, decidi parar de fazer dietas, mesmo estando obesa e incomodada com isso. Por mais que seja tentador perder peso e ficar feliz comigo mais magra, eu sei que a menos que eu passe fome o resto da vida, o peso vai voltar e aumentar.
Passei minha vida adulta inteira — desde os 16 anos, ou seja, 33 anos — preocupada com minha aparência e com o que como ou deixo de comer. Comer é parte enorme da vida mesmo quando engordar não é uma questão. No meu caso, a tarefa tão básica de me alimentar sempre foi carregada de culpa e medo.
“Droga, eu tomei suco de laranja, que tem as mesmas calorias de um refrigerante!!”
“Por que eu comi esse pedaço de pão no almoço? Agora não vou poder comer mais carboidrato o dia todo!”
“Eu devia comer arroz integral e não esse arroz branco. Será que fizeram o arroz com muito óleo?”
Não existia uma refeição sem neurose, sem culpa, sem julgamento. Cada coisa que eu comia (ou deixava de comer) era escrutinada, tornando o ato de comer estressante e fonte de culpa infinita.
Comecei minha jornada de sarar dessa doença visitando uma nutricionista comportamental, que me mostrou que voltar a comer naturalmente é possível — entrar em contato de novo com a sensação de fome e desejo, e atendê-las, é possível e necessário. Reaprendi a ter fome, ter vontade, e agir de acordo, e isso mudou minha vida.
Além disso, também aprendi sobre disforia — que em maior ou menor grau, todas temos. Eu achava que meu corpo era muito maior do que ele de fato é, e percebi que minha “meta” de corpo ideal na verdade é muito mais próxima do real do que eu pensava, o que ajuda a diminuir a neurose.
Meu próximo passo para me libertar dessa prisão foi começar a olhar para o meu corpo como ferramenta, como uma NAVE, que me carrega. Meu corpo não sou eu, meu corpo é só uma parte de mim. Comecei a pensar no meu corpo como um meio de transporte — ele não precisa ser necessariamente belo, precisa ser funcional, precisa estar bem regulado e fazer o que eu preciso que ele faça.
Meu corpo ser belo de acordo com um padrão social não me serve, não me ajuda; só me causa stress e adiciona tarefas à minha vida sem vantagem nenhuma.
Maquiagem, massagem estética, cabeleireiro, esteticista, intervenções estéticas, tratamento XYZ, manicure, depilação… todas tarefas e gastos que homens sequer entendem. Nenhum homem gasta tempo, saúde mental nem dinheiro com todas essas coisas. Por que eu devo gastar?
Comecei a perceber meu corpo de outra forma, e aprendi a simplesmente ACEITAR meus incômodos, todos ensinados socialmente, e que não sei se conseguirei desaprender. Mas não tenho mais a meta de aprender a “me amar como sou”, ver minha “beleza real”. Preferi me rebelar e me recusar a ser bonita, sexy, “gostosa”. Fodace. Não estou aqui pra agradar os olhos de ninguém. Não é pra isso que meu corpo serve.
O passo mais adiante foi realmente entender como posso cuidar de mim mesma — corpo e mente — para viver mais e melhor. Não quero morrer nem adoecer. Espero que os próximos anos tragam opções de trans-humanismo, que me interessa.
Até lá, decidi me cuidar da melhor forma — obesidade é fator de risco, sim, mas principalmente se formos sedentárias. Então é nessa área que estou investindo: meu corpo precisa de movimento, vamos lá. Estou cuidando disso aos poucos, e buscando prazer no movimento. Venho caminhando um pouco por dia, todo dia, não só pra cuidar do corpo mas da mente também. Ver o céu, as plantas, sentir o vento e a chuva, o sol.
Fiz todos os meus exames (depois da pandemia melhorar; 2 anos sem fazer exames!) e a única coisa levemente alterada é o colesterol. Até minha pressão e glicemia, que ultimamente vinham me preocupando, estão normais.
E agora sim quero falar da relação com a comida: com o colesterol mais alto, resolvi comer mais fibras e intensificar as caminhadas, que é o que meu corpo precisa. Nem me ocorreu fazer dieta, o que pensei foi “como ajudo meu corpo? Como ajusto minha nave?”
Ontem fui a um churrasco, e comi o que estava com vontade de comer. Nem mais nem menos, e sem NENHUMA culpa ou julgamento. A comida foi fonte de saciedade e prazer, e a companhia foi muito mais importante que a comida. Fui dormir sem pensar “amanhã preciso compensar tudo que comi”.
Vocês talvez não tenham ideia do quanto isso é gigantesco — a comida, as calorias, o efeito no corpo não serem a coisa mais importante da vida.
Aliás, as duas coisas combinadas: meu corpo não ser mais enfeite, e a comida não ser o centro das atenções.
Coincidentemente, depilei minhas panturrilhas ontem em casa (2a vez desde que me mudei, em Nov/19). Porque quis mesmo, tava livre. Jamais deixei de usar short, saia, por causa disso.
Meu corpo não é enfeite. Não estou aqui pra agradar a vista de ninguém.
Comida é alimento e prazer. Não penso mais nela como fonte de culpa ou forma de mudar meu corpo.
Eu estou feliz. MUITO. Sinto muito orgulho da minha jornada. Hackeei (hahaha) meu próprio sistema!
Desejo que vocês todas se libertem de suas correntes. Vale a pena.