(De 2002)
entrei e sabia que outra mulher estivera ali. é como um cheiro que não se sente, a lembrança da presença. filmes espalhados pelo sofá, todos sedutores, filmes que eu veria. a bagunçaparecia até calculada, cada pedacinho uma agulhada. o telefone indica mensagens na secretária, e não resisto: ouço uma a uma, rapidamente, como que para minimizar a culpa da invasão.nenhum recado comprometedor, para meu desapontamento. sigo adiante, pisando de leve na casa vazia, invasora. chego ao meu objetivo, e entre pequenas alegrias de saudade eaconchego, vejo marcas claras do presente/passado, e dói. pelúcia nas mãos, nos dedos que tremem, a vontade de destruir, de matar e morrer. ódio e amor misturados, culpa e vergonha(que direito tinha eu, afinal, de sofrer) e desejo de deixar também eu minha marca.
sem querer (queria, sim) esbarro num copo quase vazio, a mesa cheia de coisas irritantemente íntimas fica melada de açúcar, de água. limpo sujando, espalho o doce enjoativo, lágrimas nosolhos, as mãos incontroláveis. é uma dor que arde e não tem orifício pra purgar, não. queima devagar os orgãos internos, um vazio se avolumando (eu tinha um coração aqui dentro, juro).saio de cabeça erguida, mas no chão do corredor sento e choro todas as lágrimas que tinha, recebo pequenos carinhos inconscientes, amor sem palavras. gotinhas de amor doce pingando naquele oceano de amor moribundo; água do mar parada, fedendo a morte e decomposição. doendo, doendo.
morri um pouco esse dia.