jornada
é como o mar quando está muito, muito longe, mas ainda sim se vê aquele brilho quase como escamas. sente-se a brisa marítima, o ar tem aquela cor especial da umidade salgada, um gosto de verão na boca. uma surpresa boa, para quem sai de uma trilha fechada, no meio do mato, floresta tropical cheia de mosquitos e árvores exuberantes, lesmas e aranhas, ervas irritantes. a pele tem arranhões que ninguém vê, mas que ardem e incomodam quando o suor escorre: o sal retoma as lembranças da jornada. é preciso se acostumar com o sol, pois a floresta era obstáculo mas era também proteção. agora há o mundo do sol, da claridade e das trilhas abertas. os pés enjoados das folhas mortas e da sensação de viscosidade agora percebem-se de certa forma despreparados para as pedrinhas e a terra batida. calma, penso, o tempo, só o tempo. olhos levemente fechados e pés cuidadosos, farejo o ar e saúdo a mudança. sigo andando devagar mas com direção, um animal migratório. sigo por instinto, corrijo rotas para sobreviver e com certa surpresa percebo finalmente que há vida ao redor: outros andantes em seus próprios caminhos, cruzando minha trilha recém-descoberta. eles são agora bem-vindos, já não temo. reconheço minha trilha, e ela se faz a cada instante na sola dos meus pés e nos meus outros tantos sentidos. vou ao mar.