(sem título)

saudade

procuro no passado as respostas para o futuro, e me pego com saudades de uma vida que nem sei se foi a minha. saudade de ser amada sem limites, saudade do exagero, saudade de cores de inverno em uma cidade mais antiga que meu país. gostava do tempo em que sentia fortemente estar viva, quando arregalava os olhos com uma escada rolante automática e desejava ardentemente livros grandes de capa dura mas não podia comprá-los. usava jeans que não eram meus, engordava e isso não fazia assim tanta diferença. ganhava presentes inúteis diretamente da ladeira porto geral (a especialidade da minha mãe eram melecas que grudavam na parede e desciam lentamente, tchuf, tchuf). eu gostava de um pulôver azul desbotado que eu achava despojado e sexy, se é que isso existe. eu usava uma correntinha de couro como uma gargantilha, e deixava os cabelos compridos. eu lia muito, escutava ainda mais, e não sonhava muito, eu vivia. não era adulta, não, eu mal pagava minhas contas. ajudava em casa pois sempre fui moça direita, mas era filha dos meus pais. hoje eu sou uma entidade em separado, eles estão nas suas caixinhas como num organograma e eu me sinto um tanto sozinha, mesmo quando estou acompanhada. meus amigos fazem parte de mim como roupas, são quentinhos e eu quero tanto estar com todos ao mesmo tempo, mas a sandália de salto não orna bem com o moleton desbotado. eu dobro e desdobro coisas, e não sei bem onde colocá-las. eu devia estar contente, acho. eu muitas vezes estou contente, de fato, mas algo que falta. acho que é um sonho. me disseram que antes de decidir com quem ir, é preciso decidir para onde. eu não sei para onde quero ir, pareço um ratinho na roda. eu caminho, mas… a paisagem parece sempre a mesma. acho que sou eu que ando olhando para o lugar errado. tudo está bem, ficando melhor, e eu sinto saudade de alguma coisa. acho que é de mim.

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