a vida depois da maçã

eu fui uma menina das humanas, desde sempre. aprendi a ler cedo, lia muito, escrevia muito. mas minha paixão foi e é a história. não houve momento na vida sem procura de respostas no que passou, como uma observação de caminhos abertos para decidir pra onde ir. o passado é meu oráculo, um banco de dados gigante para entender o futuro.

mas optei pelas exatas no último momento, pragmaticamente — e sem arrependimento. formei-me em tecnologia com meu modus operandi de humanas, e acho que esse é meu grande diferencial na vida: sou analiticamente humana. depois de finalizar minha porção exatas, voltei às humanas, à história. foi só então que minha percepção da arte e da vida mudou para sempre.

acredito em consumo de arte e literatura (que nem sempre são equivalentes) em dois modos: passivo e ativo. o modo passivo é a recepção pura, sem filtros e/ou críticas conscientes — é óbvio que temos críticas e filtros “embutidos”, é da própria natureza cognitiva; o modo ativo é a recepção conscientemente crítica, investigativa. não quero aplicar juízo de valor a nenhuma delas, são apenas diferentes formas de interação com a informação.

durante meu mergulho no mundo das humanidades, houve um marco: fui apresentada ao mundo da leitura crítica. os livros sempre foram meus totens de verdades; quando havia dúvidas, procurava a verdade nos livros. eles me transmitiam a tranquilidade da certeza, eram um porto seguro. quando aprendi que nada é verdade e que há somente pontos de vista, algo se rompeu. é como em matrix, quando neo vê que além da realidade existem zeros e uns, com a diferença que isso não me trouxe tranquilidade e sim vertigem. era todo um mundo novo a revisitar, analisar as verdades de vários outros ângulos.

todo meu modo de ver as coisas mudou, desde então, e já não consigo mais ser consumidora de informação absolutamente passiva. tudo se desdobra, como se visto através de um prisma, mas aprendi a gostar dessa visão. desenvolvi minha curiosidade, aprendi a conviver melhor com as minhas dúvidas e investigo mais, inclusive a mim mesma. procuro ver por trás das coxias.

para o bem ou para o mal, é como olhar para os nossos pais não como seres perfeitos e absolutos, detentores das verdades da vida; é mais uma etapa no crescimento, da percepção de nós mesmos diante de um mundo de histórias por trás de histórias por trás de histórias. desde então, tenho sido assim: ainda mais espantada com a vida.

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