muito prazer, perua

vamos começar lá do começo: eu fui uma criança criada por mãe perua. pra quem duvida, minha mãe usava calça de couro (justésima), saltos altíssimos, cabelos farrah fawcett, muito doirado na vida. já papai era bicho-grilo: bata bordada, com espelhinhos, alpargata, cabelão, barbão, tatuagem.

houve uma situação de cúmulo do paradoxo, num batizado de família: sabem como é batizado de pobre, não? domingo, 11 da manhã, paróquia da nossa senhora da misericórdia de são joão jesus menino. nós, crianças, com roupinha de domingo e mamãe chiquésima, de salto alto e aquele bundão que deus lhe deu (e conservou). papai estava atrasado, como sempre, sabe lá de onde vinha. batizado já começado, crianças chorando e aquele calor senegalesco na igreja, todo mundo com roupinha de igreja-aos-domingos. ele entra, lindo e sorridente, de alpargata, jeans absurdamente surrado e camisa do flamengo. sim, sim, amigos, e ele sequer torce pelo time. não consigo esquecer a cara de ódia da minha mãe, enquanto nós três achávamos aquilo o má-xi-mo (meu pai! meu pai!)

contextualizada a questão, vamos ao que me cabe: eu sempre fui espalhafatosa, aquela criança extremamente extrovertida, que gosta de cantar, dançar, sapatear, tocar instrumentos e falar mais que a boca. em resumo, uma pentelha aparecida. adorava roupas coloridas, batons, sandálias de plástico, perucas, bolsas, cores, balangandãs. essa fase durou mais ou menos até os 15 ou 16 anos, quando o negócio mudou da água pro vinho: comecei a usar jeans e camiseta, coisas bem largadas, nenhuma cor, nenhuma maquiagem, um jeito assim cool de ser. com emagrecimentos e engordas à parte, mantive esse look sóbrio, pra não dizer desengonçado-sem-graça, por um bom tempo. digamos até meus 28 anos. nada de muita maquiagem, muita cor, criatividade era artigo raro.

a verdade é que não ligava muito pra minha aparência e queria mesmo é dar aquele ar de despreocupação com “essas coisas fúteis de mulher”. pensava eu: pff, coisa de mulher idiota, ficar se preocupando com o que vestir, maquiagem, essas coisas. isso não é pra mim, mulher inteligente e independente e bem-sucedida. bah!

olhando pra trás, vejo que tive um sério desentendimento com minha feminilidade, além do óbvio repúdio à imagem da minha mãe (inconsciente, claro). pois aos 28 tudo mudou (não dizem que é o retorno de saturno?) e virei de cabeça pra baixo: emagreci horrores, comprei roupas-sapatos-perfumes-maquiagem feito uma louca desvairada, cortei o cabelo radical, enchi minha vida de cores vibrantes, decotes e fru-frus. fiz uma tatuagem gigante, piercing, tudo o que tinha direito e não tinha, loucura total.

resumindo, me reconciliei com minha poRção mulheR (erres de carioca aqui, por favor) e descobri que ela é uma perua sem a menor vergonha na cara. quem me conhece hoje em dia e não me conheceu lá na época da revolta não deve acreditar na história, mas creiam: é verdade. eu não fui sempre assim uma drag-queen anã, não. por dentro sempre fui, é verdade, tanto que hoje em dia eu me sinto plena quando coloco aquela peruca de penas rosa e fico triste por não ter uma daquelas sandálias de plataforma de 25cm (terei!). meu sonho é ficar com corpo de moça magra pra sair na próxima parada do orgulho gay de roupa de vinil vermelho, com peruca e plataforma.

pois a quem interessar possa: sou e serei uma perua fiel a mim mesma até o fim dessa minha vida cheia de micos. vocês poderão me ver com 70 anos, caquética e pelanquenta na parada do orgulho gay de 2038, linda e loura com meu modelão retrô.

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caramba, eu escrevi esse texto gigante só pra contar que estamos jogando “champions of norath” e minha personagem é uma feiticeira de quase 2m de altura, peitos maiores que os meus (a cintura é a metade da minha) e uma roupa que é TU-DO! puro rosa, prata e roxo, um lu-xo. meu objetivo no jogo, atualmente, é chegar ao nível 19 pra poder vestir um conjuntinho de luvas-armadura-elmo que eu achei mas ainda não posso usar. ah, como é dura essa vida de mulher…

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  1. Agora, me diz se dá pra ser viado perto dessa mulher. Não tem condição! Além de peituda ainda quer ser drag? Shh! Ei! Ô! Pode não! Já matou uma penca de japas de desgosto, agora quer dar catapora nas bichas também? Devolve já esses cílios postiços! Anda! 😛

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