uma das coisas que mais me preocupam quanto a ser mãe é como evitar (ou minimizar) passar pro meu filho meus preconceitos, limitações e crenças. pode parecer estranho pra alguns eu não querer transmitir crenças, mas eu quero passar pro meu filho somente valores e conceitos/fatos. quero que ele decida por conta própria, quando chegar a hora, no que acredita e do que gosta. quero ajudá-lo a decidir por si mesmo, sem influência excessiva da minha parte.
imagino que não seja simples, porque mesmo sem querer às vezes somos tirânicos e achamos que nosso jeito é o certo, e pronto. mas faço questão de tentar!
outro dia conversei com o fer sobre papai noel, coelho da páscoa e deus (assuntos correlatos, na nossa opinião :)). por um lado é muito bonitinho as crianças acreditarem em papai noel e coelhinho, mas os pais não se incomodam de mentir pros seus filhos? ou esses 2 assuntos já nem são considerados mais mentiras?
pra nós, é mentira e ponto final, e não me agrada a idéia de mentir pra criança e depois desmentir em algum momento. não que eu tenha medo de traumatizar a criança, de forma nenhuma, a questão é mais comigo que com ela. mas ao mesmo tempo, já pensaram numa criança que não crê em papai noel e coelhinho da páscoa convivendo com as demais, que acreditam? nosso filho vai ser o anticristo da escolinha, vai destruir os sonhos das outras criancinhas expondo a verdade que seus pais ateus sem alma contaram pra ele 🙂 brincadeiras à parte, não quero também que meu filho seja o esquisito que não acredita em coelhinho. é complicado…
deus é mais complexo ainda. somos ambos ateus, eu um pouco mais flexível que ele. embora eu não creia em deus, santos, nenhuma religião, espíritos, alma e etc. acho que pode ser que exista algo que eu não entendi ainda. não me incomodaria de mudar de idéia. o fer é ateu convicto sem frestas – nascemos, vivemos e morremos, because.
o que responder pra uma criança a esse respeito, quando as perguntas vierem? meu instinto é explicar exatamente o que eu acredito (ou deixo de acreditar) mas esclarecer que há outras pessoas que pensam diferente, que todos tem o direito de investigar e escolher suas próprias crenças. não quero que meu filho seja ateu simplesmente porque eu sou. quero que ele cresça autoconfiante o suficiente pra ser budista ou hare-krishna, se quiser.
essa questão de possibilitar escolhas me incomoda e preocupa bastante na educação das crianças e também na convivência entre adultos. as pessoas fecham portas o tempo todo, restringem suas possibilidades, e por consequência fazem o mesmo com seus filhos.
dou um exemplo bem concreto: uma das minhas tias foi macrobiótica por muitos anos, incluindo o período em que engravidou e teve seu filho. o menino foi submetido às mesmas regras que ela impôs a si mesma, por que era assim que ela considerava correto. o menino passou anos não só sem comer uma série de alimentos, mas sem ter a opção de sequer tentar. dentro da crença e opção dela, algumas coisas eram ruins ou inadequadas.
o que aconteceu na prática é que ele “incorporou” as restrições dela como se fossem dele. ela nunca deu a ele a oportunidade de experimentar outras coisas, independente do gosto ou opinião dela. ela não podia/queria comer carne, por exemplo, mas quem disse que ele não gostaria ou não quereria? depois de um tempo ele começou a repetir o discurso dela, de que carne (coca-cola, ou seja lá o que fosse) era ruim, mas a opinião dele não era baseada na experiência e sim na repetição. virou papagaio da mãe e não teve oportunidade de aprender e decidir por si o que gostava ou não até pelo menos uns 10 anos de idade.
acho isso triste. de certa forma entendo os pais quererem impor algumas coisas, pois se sua crença é forte e real, eles querem para o seu filho somente o que acreditam ser o melhor. mas quanto equívoco se comete em nome de fazer o certo e o melhor? o quanto dessa abordagem doutrinária não transforma crianças em réplicas dos nossos defeitos e limitações?
(felizmente existe a adolescência para garantir que vamos contrariar nossos pais e suas crenças, justamente pra descobrirmos quem somos APESAR deles)
acredito que uma das contribuições mais importantes para a vida de qualquer pessoa (principalmente crianças) é ensiná-las a pensar e decidir por conta própria, sem o peso de idéias pré-concebidas sendo impostas direta ou indiretamente por pessoas que elas admiram. como “modelos”, é claro que devemos dar exemplo e ser quem somos, pra que nossos flhos ou pessoas que nos admiram possam se espelhar em nós se assim quiserem. mas não devemos usar isso como forma de influência descuidada. quando seu filho por exemplo escuta você dizendo algo como “odeio samba, essa música não presta”, a chance dele se interessar por esta modalidade de música diminui, simplesmente porque ele quer ser seu espelho. é justo moldar outra pessoa à sua imagem, limitando as possibilidades de escolha dela só pra agradar você e seu gosto/crença?
submeter as pessoas a novidades, possibilidades de experimentação e tomada de decisão autônoma é essencial. e para que alguém possa aprender a decidir e entender o que lhe serve ou não, é preciso dar a oportunidade de escolha real, sem juízo de valor externo.
nossa, como é difícil esse assunto.