li essa semana uma matéria falando sobre licença paternidade, que hoje é de apenas 5 dias, e do papel do pai na criação dos filhos. e me dei conta que basicamente nunca escrevi aqui sobre como lidamos com isso, eu e fer, os pais do otto. mas tem motivo: simplesmente não existe diferença entre eu-mãe e ele-pai na criação do otto, e vou explicar um pouco sobre isso.
pra começar, a decisão de ter um filho foi consenso entre nós, depois de 7 anos de casados (sem querer ter filhos, inclusive). eu brinco que optamos por engravidar como “experiência antropológica”, e no fundo é isso mesmo, não é brincadeira não. queríamos passar por esta experiência, aprender com ela. tivemos muitos medos, mas decidimos encarar. e pra quem tem os mesmos questionamentos, digo que ter filhos não é primordial para a vida e/ou felicidade de ninguém, mas é uma experiência única e incrível. como pular de paraquedas, por exemplo, coisa que jamais farei 😀
somente eu carreguei o otto na barriga, mas o fer esteve presente em todos os momentos, procurou informação junto comigo (pouca, não fomos do tipo que lê mil livros), conversamos sobre a escolha do nome, sobre como seria o parto, fizemos o pré-natal juntos mesmo. nunca senti que a gravidez foi um processo “meu”, apesar de toda parte fisiológica que só estando dentro da própria pele para acompanhar. ele foi realmente meu companheiro nesses 9 meses, e no parto-show-de-horror ele estava lá comigo, bem como naqueles 8 dias assustadores de UTI.
o fer é freela, e se planejou bem antes do nascimento para tirar sua licença-paternidade — ele ficou sem trabalhar por 6 meses após o nascimento do otto, junto comigo, full time em casa (acho que ele pegou um ou outro trabalho pequeno, em casa, se não me engano). e quando eu voltei a trabalhar (o otto estava com 6 meses e meio, e já comendo), ele ficou a maior parte do tempo em casa nos próximos meses também, só pegando projetos que não demandassem ficar o dia todo fora.
nos primeiros meses, quando o otto mamava de 2 em 2h (ou menos, já que eu dava o peito quando ele queria), 24/7, amamentar era a tarefa mais desgastante e difícil, e obviamente só eu podia dar o peito. mas o processo de amamentar não é só peito — inclui pegar o bebê, trocar fralda, frequentemente trocar a roupa, mamar, arrotar e (com sorte) dormir. pois eu só fazia a parte do peito, o fer sempre fez todo o resto. durante a noite, era ele que ficava na vigília do belzebu-menino-que-não-dormia, enquanto eu descansava entre mamadas.
algumas coisas o fer não gosta de fazer — dar comida, por exemplo, que faz uma meleca danada. é da personalidade dele, que não gosta de meleca e sujeira de comida, fica aflito. mas ainda assim ele dá, quando precisa. nosso acordo (e conversamos bastante sobre isso, não é “natural”) é de tentar dividir as tarefas de forma que cada um fique com a parte que goste mais ou que desgoste menos. e as coisas que ninguém gosta (trocar fralda, por exemplo) a gente alterna, pra não encher o saco de ninguém.
isso não quer dizer que não teve stress, em especial nos primeiros meses, quando a gente ainda não sabia como lidar com a pessoa nova da casa. brigamos, discutimos, mas chegamos a um acordo, e seguimos. e vai melhorando, depois dos primeiros meses, porque a gente aprende sobre a criança e sobre a nova rotina, tão diferente de antes-do-bebê. essa mudança é especialmente complicada pra quem estava casado há tanto tempo, tão sem rotina e sem compromisso. muda da água para o vinho! mas com maturidade e especialmente boa vontade das 2 partes, as coisas se ajeitam.
mas é importante notar nessa minha história um fator crítico: nunca adotamos a postura de que “papai está ajudando a cuidar da criança”. papai é responsável por esta criança tanto quanto a mamãe! tanto quanto, exatamente na mesma medida, nem mais e nem menos. é fato que a criança demanda mais da mãe, especialmente nos primeiros meses. a ponto do pai se sentir meio “inútil” — exemplo: no colo do pai a criança chora, vai pro colo da mãe e para imediatamente. existe uma ligação não verbal entre mãe e bebê que é real, não dá pra negar. mas isso não significa que a gente não deva deixar o bebê com o pai pra ir tomar banho, comer, dormir ou fazer a unha. mesmo que o bebê preferisse estar com a mãe. nós inclusive fizemos questão de deixar o otto com a babá, tia, avós o máximo possível entre as mamadas, não só pra termos uma folga (tão importante!) mas também pra que ele acostumasse com outras pessoas e a gente deixasse de ser neurótico (se você não tem filhos ou os seus não ficaram na UTI ao nascer, vai ser difícil entender o quanto a gente fica neurótico e superprotetor).
papai não está “ajudando”, ele está fazendo o que precisa ser feito, quando precisa ser feito. o fato dele estar comigo em casa ajudou demais, e acho que todos os pais deviam ter a oportunidade de passar pelo menos os 6 primeiros meses dos seus filhos cuidando deles, caso assim desejem. se pudesse ser mais acho que seria melhor, porque o primeiro ano é muito intenso e tem questões de formação do bebê que vão acompanhá-lo pelos próximos anos, como os hábitos alimentares e de higiene, por exemplo. a menos que você tenha a sorte que eu tenho, de ter uma babá que é praticamente a minha mãe, vai ser complicado educar seu filho do seu jeito.
graças ao planejamento do fer nos primeiros meses, sua opção de estar mais próximo do otto (ele trabalha em casa sempre que pode, e quando trabalha fora costuma sair depois do almoço somente) tem funcionado muito bem, podemos dizer que somos um casal que educa e cuida do nosso filho de forma 100% compartilhada. entre a babá, escola, ele e eu, conseguimos cuidar do otto num esquema ótimo, cada um oferecendo o que tem de melhor para a educação e crescimento emocional e afetivo.
de manhã, o fer prepara o otto para ir à escola, faz o café da manhã e garante que o otto come enquanto eu tomo banho, me preparo e como também. eu levo ele pra escola, onde ele brinca e interage com outras crianças e os professores, e almoça (sozinho, com as outras crianças). o fer vai buscá-lo, e chegando em casa a maria dá banho, troca de roupa e faz dormir. no meio da tarde ela dá um lanche, leva ele pra passear no parque, andar de bicicleta, comer fruta das árvores, brincar com outras crianças e com os bichos. na volta, já dá o jantar às 17:30h, que é quando eu chego e aí é minha vez de brincar, conversar, às vezes saímos os 3 para andar de bicicleta, etc. quando ele tem fome eu dou banho, o fer coloca pijama, eu escovo os dentes, contamos histórias os 3 juntos, e ele dorme comigo (ultimamente temos dividido a hora de dormir também entre eu e fer, pra ele não acostumar demais a dormir só comigo). nos fins de semana eu fico com o otto no sábado de manhã pro fer poder dormir até mais tarde, no resto do dia variamos. no domingo, o fer fica com ele de manhã pra que eu possa dormir até mais tarde, e depois fazemos algo todos juntos. a hora da comida geralmente é minha (eu que preparo e dou), mas agora que o otto faz menos meleca o papai consegue ajudar sem ficar morrendo de desgosto 🙂
nossa rotina é simples, mas funciona bem exatamente porque não tem tarefa-da-mamãe e tarefa-do-papai. fazemos tudo juntos, tentamos dar uma folga um pro outro e temos ajuda (escola e babá). saímos juntos só os 2 de vez em quando (é raro, porque ainda estamos na fase que queremos fazer tudo com o otto :)), e procuramos conversar quando alguma coisa não parece legal, ou um de nós está se sentindo sobrecarregado. ajustes normais em relacionamentos de adultos. nem tudo são flores, mas encaramos os problemas como parte do processo, sempre lembrando um ao outro que estamos nisso juntos.
dito isso tudo, acho que não devia haver licença maternidade e nem licença paternidade, mas “licença família”. um período para que a família se adapte à nova realidade, e que os pais juntos pudessem decidir como usar esse tempo. ou, como existe em alguns países, a licença vale para um dos pais, eles decidem qual vai ficar em casa com o bebê (é natural que seja a mãe, por causa da amamentação, mas depois do primeiro ano talvez o casal queira mudar, e a mãe volta a trabalhar enquanto o pai fica com o bebê, sei lá).
e aproveito para agradecer ao fer por ter sido sempre um companheiro nessa jornada tão intensa, maluca e divertida. apesar de todas as dificuldades, estamos firmes no intento de estar juntos e criar esse menino tão legal que colocamos no mundo, mostrar pra ele que um mundo mais igual é possível — acho ele vai estranhar quando descobrir que há um mundo tão desigual lá fora, tomando como exemplo o universo dele…
nós como mulheres não devemos nos contentar com homens que “nos ajudam”. eles devem ser parte do processo todo, sempre. não é o gênero que deve definir o que / quanto fazer, mas o acordo entre os dois, a disponibilidade, a possibilidade de cada um. com respeito, com comprometimento.
**
fer, você é um homem incrível, que respeita as mulheres como iguais e vive essa igualdade de forma natural. em 10 anos jamais ouvi da sua boca um só comentário machista, e amo você ainda mais por isso. seu comportamento é sempre respeitoso, consistente, afetuoso. você mostra ao nosso filho que ser homem é também ser sensível, que isso não é atributo feminino. nosso filho pode chorar, vestir rosa, brincar com os sapatos na mamãe, sem nunca ser tolhido. tenho certeza que nosso filho será um homem feminista, do qual teremos sempre muito orgulho, graças ao nosso exemplo, graças à forma como vivemos dentro da nossa casa. não tenho nenhum medo de que meu filho se afaste de mim por ser homem e eu ser mulher. por mais que ele se identifique mais com você em alguns momentos por compartilhar o gênero, seu respeito e amor por mim e pelas mulheres ao nosso redor serão sempre a referência dele. obrigada por embarcar comigo nessa de forma tão entregue e dedicada. te amo!