Tive uma epifania louca aqui agora enquanto dirigia, sozinha, à noite, depois de ouvir diversas mulheres falando sobre ações para diminuir a desigualdade de gêneros:
Eu sempre achei que não queria ter filhos. E talvez até não quisesse mesmo, mas o fato é que eu não queria SER MÃE.
Não querer ter filhos e não querer ser mãe são coisas completamente diferentes.
Criar filhos (da sua barriga ou não) é uma coisa muito foda de incrível. É um processo de dissecar a própria humanidade, contemplar toda a complexidade do que é ser humano, começando pelas funções básicas de sobrevivência até a criação de laços intelectuais e afetivos, passando pela descoberta da linguagem. É louco, e é muito interessante.
Já ser mãe, vejamos, significa: flutuar entre a condição de puta (deu: engravidou!) e santa (pura, casta, intocável); criar seu filho sozinha ou quase pra maior parte de nós; ir trabalhar e sofrer porque não sabe como está seu filho; ficar em casa cuidando do filho e sofrer porque não tem independência financeira; ter sua sexualidade toda bagunçada porque ser mãe e gostar de sexo são coisas que parecem excludentes; engolir sapo no trabalho, ou em casa, porque não pode sustentar o filho sozinha; acumular função em cima de função para que o dia a dia meramente funcione; lidar com a frustração de ser o tambor da disciplina que bate na orelha do filho pra que ele consiga sobreviver no mundo; e finalmente, ouvir que sofre porque a culpa é sua, quem mandou ser puta e dar?
Quem em sã consciência e estando atento ao que é ser mãe na nossa sociedade quer ser mãe?!
Aí tem o pai que concilia escalar o Himalaia e cultivar plantas; enquanto isso, volte 1 parágrafo e pense na mãe.
O mais cruel é que já não tem mais a ver com classe social, ou raça, embora seja ainda mais cruel com as pobres e pretas — em que momento inventamos de criar filhos sozinhas? Que modelo estragado é esse de “núcleo familiar” papai-mamãe-e-filhinhos?
Acho que encontrei meu gatilho pra essa elucubração toda: uma das mulheres falando sobre ações sociais mencionou que “não temos mais valores familiares”, que “as famílias estão fragmentadas”.
Ela quis dizer: os pais não são casados. “70% das crianças não vivem com o pai e a mãe”.
O casamento estilo noivado, compra casa, casa, tem bebê — essa instituição hipócrita e podre, e podemos falar mais sobre isso — nos fodeu. Os homens tratam o casamento como se fosse uma prisão, e por algum motivo maluco as mulheres não perceberam que elas é que são prisioneiras.
Precisamos viver mais em grupo, em coletivos, não precisamos de mais papais-e-mamães casados. Precisamos de ajuda, de colaboração, para sermos pais e mães melhores.
Os valores não têm nada a ver com o “núcleo familiar”. Valores sustentáveis só poder vir com mais cidadania, colaboração, conviver coletivamente. Aprender a ajudar e ser ajudado.
DIVIDIR TAREFAS. Respeitar a colaboração do outro.
Não é que eu não queria ter filhos, exatamente; é que eu tinha um medo desgraçado de ser mãe.
Ainda tenho. E não é que eu seja sozinha nessa tarefa, como tantas de fato são — o Fer tá na área, e não consigo pensar em pai mais presente. Mas uma tribo de dois é simplesmente impossível. Não é uma tribo.
Precisamos voltar a ter tribos mais numerosas. Somos bilhões de micro tribos sofrendo pelo mundo, deputados por muros.
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Acho que meu cérebro deu tilt.
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Estão com paciência pra mais elucubrações?
Tem aqui aquela história do Otto não querer ir pra cama sozinho, e nem dormir sozinho. Ele acha que não tem sentido os pais dormirem acompanhados e ele dormir sozinho.
Não consigo não dar razão a ele. Por que devemos privá-lo do prazer físico de dormir com seus pais, juntos? Nós viemos todos preparados de fábrica pra buscar conexão física, emocional, aconchego, prazer.
Dito isso, e voltando ao tema tribo x casamento e núcleo familiar, vou mais além:
Será que as pessoas se casariam (no modelo papai-e-mamãe-numa-casinha) se vivêssemos numa sociedade em que o aconchego, o carinho, o dormir junto não fossem vinculados à necessidade do compromisso?
“Quando você casar, pode dormir com sua mulher! A mamãe é namorada do papai e dorme com ele!”
Todos queremos aconchego e prazer da conexão física e emocional. Se a forma de obter isso é casar… vambora né?!
Será que as pessoas casariam se vivêssemos em uma sociedade em que o sexo fosse simplesmente uma expressão de afeto, prazer, uma forma de conexão com qualquer pessoa, sem necessidade de “aliança”?
Bah, mas sexo é MUITO legal. Se o jeito de conseguir sexo frequente e de boas é casando… vambora.
O que deu na nossa cabeça pra inventar regras de compromisso para poder estar fisicamente juntos e próximos, com ou sem sexo?
Ah, você vai dizer que casar é mais que sexo. Claro que é. Mas esse “a mais” não precisa do casamento para existir. Acordos, pactos, desejos mútuos, tudo continua válido.
Por que o modelo noivar – casar – mudar – ter filhos, tudo super restrito ao tal núcleo familiar? “Agora somos UMA FAMÍLIA”.
Queria a tribo.
E a sociedade alternativa.
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Mas e o silêncio, a privacidade, como ficam?
Pois. Quem dera as coisas fossem simples 🙂