Deito com o Otto, apago a luz. “Boa noite, meu amor.”
O: “mas antes eu tenho uma perguntinha, mamãe”
(Nunca é uma “perguntinha”. Nunca)
Eu: “tá bom, mas depois dormir tá?”
O: “então… que eu nasci da barriga eu já sei. O que eu quero saber é: eu existo pra quê?”
~ existimos / a que será que se destina?
Eu: “você quer dizer mais ou menos como o propósito, a função que alguém tem, como por exemplo o Wall-e, que faz cubos?”
O: “é. Pra que eu existo aqui?”
Não sei nem por onde começar. Mas enfim: ser mãe é também buscar sentido e organizar o caos, no sentido mais amplo.
Eu: “não existe um sentido, um propósito, meu amor. Nós só estamos aqui, e estando aqui podemos fazer o que quisermos. Ler, nadar, brincar, criar, fazer arte, inventar coisas, construir, fazer amigos.”
O: “qualquer coisa?”
Eu: “qualquer. Nós somos livres pra fazer o que escolhermos fazer”
O: “mas eu preciso fazer tarefa. E o wall-e não tem tarefa!”
(Eu sabia que essa conversa ia se voltar contra mim…)
Eu: “o wall-e tem tarefa sim: ele faz cubos, pra limpar a Terra; e a EVA busca plantas. É a tarefa deles. Lembra que ele sai de manhã e volta de tarde, depois que acabou?”
O: “MAS NÃO É UMA TAREFA!”
(Ele não gostou da minha lógica, falou assim mesmo em Caps Lock)
Eu: “é sim. Todo mundo tem tarefas, e nem todas a gente gosta. Mas tem coisas que temos que fazer.”
O: …
Eu: “tudo bem? Podemos dormir?”
O: “não sei de gostei da resposta, mas podemos. Boa noite.”
Ainda bem que amanhã é Páscoa, porque uma leve overdose de chocolate não vai fazer mal a ninguém depois dessa.