Essa semana vi um post em algum lugar sobre reprimir crianças que têm questões sobre o gênero das pessoas (se é homem ou mulher). A sugestão era dizer pra criança que isso não é da conta dela, ou que não importa.
De fato, o gênero de alguém não é da conta de ninguém, e a pessoa tem direito de não falar sobre isso. Mas isso não quer dizer que a pergunta não importa e nem que a criança não tem direito de fazê-la.
Primeiro: o gênero das pessoas importa, sim, e muito, na nossa sociedade. Somos cercados por todos os lados de regras e privilégios de gênero, desde de antes do nascimento. Tem cor, roupa, jogo, brinquedo separado por gênero. Festa de revelação de gênero. Há uma celebração dos gêneros binários, um Fla-Flu mesmo. Você pertence ao TIME quando nasce. Conforme a criança cresce, e esses conceitos vão se cristalizando graças a toda informação constantemente bombardeada, a criança quer de encaixar. Nosso cérebro é feito pra julgar e categorizar, e sendo dadas somente 2 opções, é assim que a criança entende o mundo.
Quantos de nós temos no convívio, na mídia, nas histórias, da família, pessoas não binárias, e falamos sobre isso, para que a criança aprenda a respeito?
Na sociedade em que vivemos, é absolutamente esperado que uma criança identifique 2 gêneros.
E aí vem a segunda parte — como a criança vai aprender a respeito se não puder perguntar quando se depara com o diferente? As crianças são curiosas e aprendem explorando, observando, perguntando, testando hipóteses. Como os cientistas. Como todos nós devíamos fazer, aliás, ao invés de julgar e parar de perguntar.
Quando uma criança tem dúvida sobre o gênero de alguém, é porque ela percebeu uma ambiguidade que causou curiosidade. Alimentar a curiosidade e explorar o assunto é uma ótima forma de aprender e ensinar. E pra isso não é preciso causar constrangimento a ninguém — basta conversar com a criança como se conversa sobre qualquer assunto, e mostrar que a realidade é mais complexa que os 2 gêneros predominantes.
O mesmo vale pra sexualidade, a orientação sexual — as perguntas são bem vindas! Elas ajudam a abrir horizontes. Deixem as crianças perguntar, e vamos responder ensinando sobre o mundo.
Otto já perguntou para uma amiga se ela era menino ou menina. Ela foi ótima, e com toda tranquilidade devolveu a pergunta pra ele — “o que você acha?” e ele elaborou a dúvida, a ambiguidade. Ela disse que era menina, mas que ele não era o primeiro a ter essa dúvida por causa de alguns fatores. Foi uma conversa fácil, rápida, tranquila. Ela podia também ter respondido que não se sentia confortável falando sobre isso, e ele aprenderia que isso é uma resposta aceitável.
Crianças têm curiosidade sobre gênero, faz parte da construção do gênero deles também. E é responsabilidade de todos nós educar nossas crianças, ajudá-las a entender o mundo.
Me parece absurdo (e contraproducente socialmente) ensinar uma criança que certas coisas não se perguntam, que algumas dúvidas não são válidas. Todas as perguntas são válidas, todas as dúvidas são válidas. O que pode acontecer é que algumas perguntas causam desconforto social, e temos que aprender a lidar com isso também. O jeito de lidar é dialogando.
Otto fez um comentário (só um mesmo, até hoje!) sobre a aparência de uma pessoa (pra mim, não pra pessoa). Expliquei pra ele que todos têm direito a ter opinião, mas que comentar sobre a aparência física de alguém não é adequado, porque é uma opinião não solicitada. E que julgar as pessoas pela aparência não faz sentido, afinal isso não diz nada sobre ninguém.
Como podemos ensinar uma criança (e aprender nós mesmos) sem nos permitir tentar, e às vezes errar?
Da minha parte me comprometo a sempre levar de forma positiva qualquer pergunta que alguma criança me fizer, mesmo que me incomode. E sempre incentivarei meu filho a fazer perguntas e investigar respostas. Ensinando a considerar os sentimentos das pessoas no caminho, claro.