acho muito bonita essa interpretação astrológica para o mito da hidra, um dos trabalhos de hércules. embora não esteja certa que a hidra foi enfraquecida pela simples exposição à luz (como menciona a interpretação astrológica), essa versão vai ao encontro da minha argumentação, e vou usá-la 🙂
aviso: não sou psicóloga, aliás, não sou especialista em nada, então por favor sempre me leiam considerando que são somente minhas opiniões, baseadas no que sei e vivi. isso não é um tratado, é somente uma reflexão pessoal.
a hidra é um monstro venenoso, horrível e mortal, que se esconde no pântano, na lama, na escuridão. fica submerso, tornando ainda mais difícil vê-lo e obviamente matá-lo. a estratégia do herói é a de trazer o monstro à luz do sol, fora do seu ambiente tenebroso, cortando uma cabeça de cada vez e cauterizando cada corte, evitando assim que as cabeças tornem a crescer. e ao expô-lo à luz, sua última cabeça torna-se fraca o suficiente para ser possível neutralizá-la. (curioso que parece que essa última cabeça não é exterminada, mas enterrada)
é impossível pra mim não fazer um paralelo entre a hidra e o inconsciente. não que eu veja nosso inconsciente todo exatamente como um monstro, mas penso que tudo aquilo que desconhecemos, o que habita nosso pântano, pode se tornar um problema sem solução até que consigamos trazer o monstro à luz. se vamos matá-lo ou se ele vai se revelar nada mais que um coelhinho da páscoa é outra história…
suponho que nosso pântano seja cheinho de “montros”, e não tenho certeza que do que faz com que eles saiam de lá e venham nos enfrentar à luz do dia. não sei inclusive se eles saem por si próprios ou se nós os arrancamos de lá, na marra, quando fica impossível viver com eles nos assombrando.
há muitos anos venho escrevendo no meu blog pessoal sobre a famigerada tpm, e a apelidei de “maré baixa” lá em 2002. o que acontece na maré baixa, já viram? quem é de praia sabe bem como é — tudo que ficou preso no fundo do lodo, da areia, se expõe. e nem sempre é bonito de ver, porque aparece lixo, coisa podre, bicho morto, e a lama ao sol, gente, fede. tudo aquilo que fica escondidinho quando a maré está cheia, parecendo que está tudo bem e lindo e cheiroso, vira o horror na maré baixa. daí minha metáfora — o problema não é a tpm, ela é apenas a maré baixa; o problema é o lixo que acumulou, o peixe morreu preso ali, etc. e quando baixa a maré, é hora de limpar, arrumar, organizar, pra que na próxima vez o estrago seja mínimo.
pois eu, que achava que os problemas com a maré baixa estavam resolvidos definitivamente após essa minha “descoberta” (mantenha a “casa” limpa e organizada e a crise na tpm é mínima. funciona!), me deparei com uma forma muito mais intensa e dramática de descobrir hidras muito bem acondicionadas nos seus devidos pântanos — a maternidade.
esses monstros que vêem à tona quando nos tornamos pais/mães são geralmente idosos e cascudos, nasceram lá quando nós éramos crianças, adolescentes e ficaram quietinhos, não nos atrapalhavam a ponto de termos necessidade de arrastá-los para a luz e matá-los. quando deixamos de ser filhos somente e nos tornamos pais, alguns destes monstros acordam e se manifestam de forma inconveniente, irritante e — o pior dos piores — como repetição de histórias que odiamos e queríamos esquecer para sempre.
é no meio de uma crise de birra e choro do seu filho que você vai escutar saindo da sua boca — para espanto absoluto seu, inclusive — a frase, aos gritos, “pára de chorar, que não tem motivo nenhum pra você estar chorando!”. ou (com sorte) vai perceber que acaba de dizer pro seu filho que esse jeito que você acaba de ensiná-lo a, digamos, desenhar uma bola, é o CERTO.
certo versus errado; repressão de sentimentos; relação com comida, afeto, animais, idosos, deficientes, pretos; — quer continuar a lista?
não sei dizer quantas coisas eu me vejo dizendo, fazendo ou mostrando para o otto que revelam MUITO sobre mim mesma, sobre como fui criada, sobre todas as limitações e restrições da educação que recebi. às vezes me vejo como se estivesse de fora, e me assusto. todo dia, toda hora é uma surpresa. sabe aquela música dos 80’s, “eu realmente não sabia que eu pensava assim”? pois é. eu não sabia que pensava e sentia muita coisa. estou revendo minha própria educação, modelos, valores passar bem na frente dos meus olhos quando procuro meu próprio caminho para educar o otto.
e esse filme, apesar do roteiro legalzinho ;), nem sempre é bonito.
conhecer-se é fundamental para ser feliz, e também para ser um bom educador. ou pelo menos o melhor educador que você puder ser. porque erros serão cometidos, é inevitável. mas buscar o acerto, e a melhoria de si mesmo, continuamente, é essencial.
mais do que simplesmente “acertar” com meu filho, quero ser a melhor mãe que ele pode ter, e pra isso preciso me tornar melhor sempre, a cada dia. me conhecer, rever, mudar. preciso primeiro perceber que as hidras existem, expô-las à luz e acabar com elas.
até que venha a próxima. ser pai, e mãe, é ser herói de si mesmo, e esse trabalho — diferente do caso do hércules — não tem fim.
8 responses so far ↓
Denize // October 2, 2012 at 8:19 pm |
Amiga, eu já disse muitas vezes o quanto me tornei uma pessoa melhor depois do nascimento do Teodoro. Já escutei muita gente dizendo “ser mãe me salvou de um abismo” e na real, por mais doido que isso possa parecer, faz todo sentido, porque por mais que a gente não queria valorizar o fato dessa forma, não dá pra fabricar e criar um ser humano minimamente digno neste mundo doido, se a gente não tentar superar e melhorar o que somos, temos e sentimos. É um movimento natural, quando não, somos atropeladas pela urgência de ser e acabamos sendo, quase sem querer. Os antigos sempre disseram que filho vem pra ensinar e eu super concordo com isso. ;o)
zel // October 3, 2012 at 2:31 pm |
acho que todo mundo na nossa vida vem pra nos ensinar, dê! é só a gente permitir, querer, e se importar. o que acontece com os filhos é que a gente realmente se importa, se empenha, quer fazer o melhor. isso por si só já é “o” incentivo pra melhorar e evoluir. com um “agravante” — é normal replicar com os filhos os “métodos” que usaram com a gente. ou (o que às vezes é pior) simplesmente fazer o INVERSO, porque achamos que nossos pais erraram e nós — que somos tão melhores, mais modernos e espertos 🙂 — vamos acertar.
no fundo, o que estou aprendendo é que (1) monstros existem; (2) é preciso confrontar os monstros; (3) as estratégias de matar monstros mudam conforme o monstro 😀 ou seja — ir contra o que você aprendeu ou repetir igualzinho não são geralmente as melhores opções. e como é difícil encontrar o próprio caminho, não? beijo!
Teca // October 3, 2012 at 9:46 am |
Queria deixar um comentário que conseguisse expressar o eco que esse assunto tem em mim. Mas, de tão preciso o post, sei que o eco bate aqui e em todos os pais e mães, então esse eco é que vai ser meu comentário!
———
Sempre penso que o desafio maior da maternidade é a constância. Não dá pra ser ótima de vez em quando, é preciso ser íntegro. Necessidade mesmo, porque não há como ser outra coisa que não você o tempo todo (pensando bem, ainda bem, né?). Então o desafio é a tomada de consciência e a disposição para a mudança/melhoria. To-da ho-ra. Lidar com a frustração de não se gostar em um monte de coisas, e ter coragem pra não se encolher com isso, mas agir rapidamente na mudança. A coisa mais rápida que aprendi sendo mãe é que maternidade é ação.
Pra alguém indisciplinada como eu, isso é um desafio e tanto! A parte de amar e acolher é fácil, natural e deliciosa. Num abraço intenso somos felizes pra sempre naquele instante. Mas depois, bora levantar e redecorar e limpar o castelo, principalmente os porões!
Beijos!
zel // October 3, 2012 at 2:36 pm |
hahahhahahaha, boa, teca! concordo que ser mãe é ação (e limpar o porão faz parte). aliás, não disse isso no post, mas da mesma forma que me interessou a vida adulta toda entender meus mecanismos de mudança (a tpm por exemplo), tenho achado muito interessante as mudanças (ou pelo menos os insights!) decorrentes da maternidade. são calabouços que dificilmente eu visitaria se não houvesse o otto na minha vida. lidar com ele, e seu processo de crescimento, acaba me obrigando a rever meus próprios conceitos e me confronta com barreiras que eu nem sabia que tinha.
você sabe que minha decisão de ser mãe foi totalmente antropológica (hahahhaha) e estou muito feliz por ter optado por esse caminho. é um aprendizado intenso, uma enorme oportunidade de me conhecer melhor e ao mesmo tempo entender um pouco mais sobre o que é ser humano. beijo!
Denise Mendes // October 5, 2012 at 1:19 am |
Gosto muito dos seus textos, tem me levado a refletir bastante sobre o papel de educar os meus pimpolhos. Continue dividindo conosco suas descobertas! Abraços!
zel // October 15, 2012 at 3:42 pm |
obrigada, denise, que bom que de alguma forma ajudo 🙂 compartilhe aqui seus pensamentos também, essa troca ajuda a todos nós!
Mari Oliveira // October 14, 2012 at 12:40 am |
Eu gosto muito de uma frase que vi em algum dos livros ou blogs de maternidade que já li desde a gravidez: “a maternidade é um convite irrecusável para o autoconhecimento.”
E é preciso ter coragem pra encarar esse convite, porque, realmente, as hidras enterradas bem fundo assustam. Mas depois que as encaramos, o processo todo é muito libertador.
Eu te digo que vivo com medo depois que minha filha nasceu: medo de passar minhas ansiedades para ela e ao mesmo tempo medo de no afã de ser mais relax deixá-la desprotegida. Vivo com medo, mas também nunca fui tão feliz como sou hoje.
zel // October 15, 2012 at 3:43 pm |
mari, eu já fui mais feliz… hahhahahahhaa 🙂 mas não faz sentido comparar felicidade, essa é a verdade. só existe o momento presente, e é nele que devemos viver, ser feliz, ou triste, ou cansada. enfim. escolhi esse caminho e não me arrependo. beijo!
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