fabricando

e quem somos afinal?

August 13, 2010 · 6 Comments

esse assunto tá na cabeça há muitas semanas (tipo várias dezenas delas), e depois de ler o último post da cam no blog novo (viva, ela voltou!) resolvi falar de um assunto difícil porém central pelo menos pra mim: mãe, profissional, esposa, amante, blogueira, amiga, ser-de-tetas. quem sou eu?

o óbvio, a resposta intelectual e analisada, é que somos uma combinação de várias coisas, e não uma só. mas convenhamos, não é assim que vemos a nós mesmos. bom, pelo menos eu não me vejo como essa manta linda de patchwork, com cada pedacinho ou faceta cumprindo seu papel na tecelagem da minha vida… eu me julgo e rotulo, sou parcial e muito carrasca.

honestidade? eu me defino pelo meu trabalho, sou a mais perfeita tradução (e clichê) do mundo pós-industrial e capitalista. eu sou o que faço, o que entrego, o quanto dou de resultado. o que no meu caso é um arranjo sensacional, pois sou bem-sucedida na carreira, elogiada, bem paga e dou um resultado enorme. e de quebra, adoro meu trabalho. pensando bem, não deve ser exatamente à toa que preferi me definir basicamente pelo meu lado profissional, não é mesmo, minha gente? 😉

estou há 4 semanas sem trabalhar (resolvi iniciar a licença maternidade antes), e foi interessante observar como o não trabalhar/não “entregar coisas” me afetou. a sensação é de inutilidade, “displacement” (qual é o meu lugar? cadê minha mesa, meu telefone, meu notebook!), mas principalmente de não ser necessária.

sempre critiquei mulheres que se dedicam exclusivamente aos seus filhos e marido, porque creio que isso cria uma falsa sensação de ser necessária, o “centro da família”, que tem prazo pra vencer. os filhos crescem e vão embora (se a doida deixar, né. senão vira um encosto na vida dos filhos, tá cheio por aí), o casamento eventualmente acaba (até porque mães profissionais não investem no relacionamento com o marido, afinal já casaram e pariram) e elas aos 50 anos se vêem sozinhas e sem propósito. absolutamente compreensível que pirem na batatinha e se sintam péssimas. as que têm sorte continuam casadas, mesmo infelizes, ou são ricas; as azaradas se pegam sozinhas, sem profissão, sem propósito na vida, e sem dinheiro. muito, muito medo.

mas aí fiz um exerciciozinho: qual é exatamente a diferença entre a mãe profissional e a profissional-profissional? a diferença infelizmente é pequena (embora seja significativa do ponto de vista prático): a profissional-profissional provavelmente terá independência financeira e algo pra se ocupar.

me preocupa mais o que é igual nos dois casos, a unidimensionalidade (afe, inventei) do meu ser. sim, eu faço muitas coisas, e sou muitas coisas, é fato. então por que me deixo envolver tanto por um dos aspectos da minha vida? o tempo que gasto com meu trabalho (não só dentro do escritório, mas pensando nele) é desproporcional, se comparado ao restante da minha vida. e é fato que dou mais importância ao trabalho que à minha família, amigos e até a mim mesma.

(se você que me lê consegue equilibrar bem sua dedicação às suas várias atividades, parabéns. eu sou uma lástima nesse aspecto)

me pergunto: será que essa dedicação, paixão e comprometimento com o trabalho não é simplesmente uma fuga, uma válvula de escape pra compensar aspectos negligenciados da minha vida? afinal, se como profissional consigo me sentir poderosa (o que nem sempre acontece como esposa, amante ou amiga), quero ficar neste “modo” o máximo possível. melhor continuar investindo onde dá certo, ao invés de arriscar fazer besteira como mãe, amiga, escritora.

com a maternidade como nova variável da minha história, a coisa se complica. afinal, esse é potenciamente mais um papel pra eu me sair mal e me sentir péssima a respeito de mim mesma 😉 duvido muito (por mais que digam e falem e cantem aos 4 ventos…) que ser mãe vai me bastar e encantar a ponto de eu querer parar de trabalhar, mas pode balançar as estruturas aqui sim, além de adicionar mais uns goles de culpa num pote até aqui de mágoa.

da mesma forma que não acho saudável ser mãe-profissional, não gostei de concluir que sou profissional-profissional. quero ser mais que isso, quero de verdade balancear melhor os vários aspectos da minha vida e personalidade, e poder deixar algumas dessas coisas de lado de vez em quando sem me sentir vazia ou inútil. quero poder ficar 6 meses fora do trabalho sem culpa, e quero também poder tirar férias do meu filho sem culpa.

é, esse é mais um daqueles posts sem conclusão. minha conclusão no fundo é que com a chegada do meu filho, ganhei a oportunidade de, mais uma vez, me reinventar. nos próximos anos, quero me dedicar a ser eu mesma mais auto-sustentável, menos carrasca e plural de verdade.

Categories: maternidade
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6 responses so far ↓

  • Cam Seslaf // August 13, 2010 at 5:51 pm |

    Você acabou de me mostrar que eu pulei de um extremo para outro. Passa a chibata, s’il vous plait? 😉

    Agora, sério. A única pequena tranqüilidade que eu tenho é que o meu processo é anterior à maternidade. Eu gosto de pensar que isso vai facilitar o desate do meu nó.

    Ótimo post. Vou ler outras três vezes e passar a noite de olhos estatelados pensando nisso rs.

  • Raquel // August 13, 2010 at 6:01 pm |

    Será que me definir como profissional exclusivamente não é permanecer na zona de conforto daquilo que eu faço melhor ou sou mais reconhecida?

    Zel, acho que a partir daqui seus posts vão começar a ficar realmente interessantes. Confesso que suas opiniões-chavão de mulher auto suficiente e absolutamente segura estavam me dando sono. Saindo da retórica e colocando a mão na massa.

    Seja bem-vinda.

    Beijos carinhosos. Abraço solidário.

    Raquel Marques

  • Consuelo // August 13, 2010 at 6:07 pm |

    É bem verdade isso. A gente tem medo de ser mãe-profissional, mas o que acontece na verdade depois do nascimento do filho é que com ele, nascemos também, nos reinventamos e nos reavaliarmos. Só posso desejar toda felicidade nesse momento que se aproxima e tenho certeza, que a consciência do que está por vir vc j´pa tem, já que escreveu tudo isso e vai saber lidar, ao seu modo com esta nova realidade.

  • Bia Cardoso // August 13, 2010 at 6:56 pm |

    Acho que o que ocorre no caso de uma profissiona-profissional é que talvez a pessoa acabe caindo na idéia de tentar ser a melhor mãe-profissional. Porque é possível entender de trabalho, mercado, prever acontecimentos ou aborrecimentos, mas com seres humanos não. E ai vem a frustração e a culpa de tantas mães trabalhadoras.

    Achei muito bacana a comparação com uma manta de patchwork. E acho que um dos meus grandes medos de ter um filho seja o fato de que sinto que vou querer me dedicar totalmente a ele, ser mãe leoa sem saber a hora de deixar a cria seguir sozinha. Mas é muito bonito Zel, pensar que é um momento de se reinventar e até de olhar as mães em tempo integral de outra maneira rs.

  • Renata // August 15, 2010 at 6:08 pm |

    Zel, tenho vivido profundamente esses questionamentos desde que me casei. Também me sinto como uma colcha de patchwork, mas tenho uma tendência a buscar me verticalizar, matando vários aspectos da minha vida e da minha essência para viver e me definir apenas por um só. Também é perigoso e irreal.

    Percebo, em mim, também uma grande dificuldade de aceitar que certas “facetas” sejam aparentemente tão distoantes de outras. De novo, uma busca por verticalização (palavras da terapeuta, rs) que só leva a frustração.

    Adorei seu post. Me fez pensar bastante.

    Beijos!

  • zel // August 23, 2010 at 12:10 am |

    raquel – lamento que minha opinião ou forma de expressar “entendia” você. mas afinal, você lê porque quer, certo?

    eu sou segura e auto-suficiente. e pensar sobre os assuntos, e não só “colocar a mão na massa” faz parte de uma parte da minha vida que não abro mão: a reflexão.

    e francamente, dispenso o “bem-vinda”, pois esse é o discursinho de “clube das mães” que eu abomino. eu não faço e não farei parte do mesmo clube que você, tenho certeza. nenhum demérito para nenhuma das partes, mas claramente somos pessoas bem diferentes…

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