uma amiga me indicou para ser entrevistada sobre a experiência de ser mãe, e como não sei se a entrevista vai mesmo ser publicada (sou uma entre várias entrevistadas), fica aqui para registro e caso alguém queira saber 🙂
(se sair alguma parte dela na revista eu coloco o link aqui depois)
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Você escreveu no seu blog algumas vezes que não tinha o sonho de ser mãe, mas ama a experiência, hoje, de ver o filho crescer e descobrir coisas. Como é essa descoberta? Como foi essa mudança?
Nunca tive sonho de engravidar e ser mãe, não fazia parte das minhas metas, desejos. Mas aos 36 anos mais ou menos (meu marido, 34) começamos a conversar sobre o assunto e achamos que apesar de nenhum de nós ter esse desejo apaixonado a experiência devia ser muito interessante. Brincamos que foi uma “experiência antropológica”, e é mais ou menos isso mesmo. Não fomos do tipo que celebra a gravidez e a nova vida, aquela coisa de cinema. Sempre fomos bem pragmáticos e encaramos a experiência como uma jornada, uma novidade, sabendo que muda tudo na vida e é um outro caminho. Depois do nascimento do Otto as descobertas foram diárias, às vezes muito incríveis de tão legal e às vezes muito chatas e desagradáveis. Como não romantizamos a experiência, acho que pudemos viver tudo — a parte linda e a parte muito chata de ser pai e mãe.
Como foi sua gestação? Nessa fase, quais foram as “surpresas”, coisas que você não esperava e acabou tendo de se adaptar?
A gestação foi tranquila, engravidamos poucos meses depois de decidir que íamos ter filhos. Não posso reclamar de quase nada da gravidez em si, porque tive poucos incômodos (azia o período todo, enjoo no começo, e o final é inevitavelmente difícil fisicamente, pelo volume). Só uma lembrança de incômodo é bem forte: fiquei com nojo de alho, então comer fora era difícil e chegar perto de gente que tinha comido alho acabava com meu dia! Felizmente passou. Fora isso foi vida completamente normal, trabalhando e fazendo tudo que sempre fiz.
O mundo da maternidade tem várias “regras”, que já viraram às vezes até piada. No seu blog, por exemplo, você sempre fala de #paidecesarea. Como você vê essa história da escolha do parto? Como lidou com isso?
Eu já tinha lido e acompanhado muito sobre parto humanizado bem antes da ideia de ter filhos, e na minha família quase todas as mulheres fizeram parto normal de vários filhos (apesar de não serem nada humanizados, ao contrário). Pra mim era claro que queria um parto humanizado sem intervenção desnecessária (no meu corpo ou no corpo do bebê), de preferência, como é a recomendação da OMS. Tendo engravidado com 37 anos, minha gravidez automaticamente era considerada de risco, o que complicava a opção de parto em casas de parto (muito recomendada por várias pessoas) e eu não queria fazer parto em casa também. Fiz acompanhamento inicial na casa Moara (muito boa, recomendo), mas eles não atendem no interior, onde moro. Achei então uma obstetra na região alinhada com meu plano de parto (uma dificuldade enorme, a propósito), visitei hospital, falei com pediatra chefe, fizemos um plano completo de parto. Ou seja — nos engajamos muito no processo todo, sabendo das dificuldades de evitar intervenção. Mas no final das contas, acabei fazendo uma cesárea emergencial, pois no processo de trabalho de parto houve uma complicação grave. O Otto nasceu de 41 semanas e 5 dias e ficou 8 dias na UTI em observação, graças ao parto complicado, mas eu fiquei muito bem e ele também. Saiu tudo diferente do que eu planejei, mas estou certa que o processo que adotamos foi o melhor possível, e isso é que é importante: ser protagonista da gestação, do parto, e ser acolhida pelos profissionais que estão dando o apoio (ao contrário de ser coagida, por medo).
Depois do nascimento do Otto, como ficou sua rotina? Havia algo que você imaginava e que foi totalmente diferente?
A rotina mudou completamente, a vida virou outra. Fiquei de licença por 7 meses, então tive muito tempo de tentar me adaptar (e não adiantou nada, porque quando estava entendendo o que estava acontecendo, mudei a rotina!). Eu não tinha ideia de como seria, só sabia que seria diferente e cansativo. O Otto mamava muito (amamentei em livre demanda), mais ou menos de 2 em 2h, e demorava 40min para mamar, o que torna o processo muito desgastante fisicamente. O Fernando (meu marido) foi um suporte essencial, pois ele fazia tudo que não fosse dar de mamar, e nossa funcionária e nossa família ajudaram muito também. Sem ajuda é uma tarefa impossível. Jamais esquecerei o ditado africano que diz “é preciso uma aldeia para criar uma criança”, porque é 100% verdade. Ajuda é fundamental — mas precisa ser ajuda de verdade, e não palpite e julgamento. É preciso de espaço e tranquilidade para errar e acertar, e conhecer aquele ser humano que acaba de chegar e muda toda a dinâmica da família, da casa, do relacionamento. Eu não tinha ideia de que ficaria sem dormir (ou dormindo picadinho) por tanto tempo, pra ser honesta. As pessoas nunca dizem a verdade pra gente, e repetem que “o amor incondicional compensa tudo”. Não me senti assim, e apesar de toda a alegria que traz a chegada de um filho, há também o medo e o cansaço, que são muito grandes.
Como foi lidar com questões cheias de expectativas, como rotina de sono e amamentação?
A amamentação foi muito tranquila, desde que o Otto começou a mamar (ainda na UTI). O início, quando ele estava com soro ou recebendo meu leite por caninho, e eu tinha que ordenhar, foi MUITO difícil, assim com letras maiúsculas mesmo. O processo de ordenha é muito mais difícil que amamentar, mas felizmente eu tive um apoio maravilhoso das enfermeiras no hospital, foi essencial para o processo e para a minha sanidade mental. Estar com filho na UTI, recém-parida (com dor, por causa da cesárea) e ainda ter dor e dificuldade para ordenhar é um horror. Mas quando ele veio para o peito (5 dias depois do parto, somente) foi muito tranquilo, ele mamou bem e de forma simples, e foi assim até parar de mamar por conta própria aos 9 meses. Então fora a dor na lombar (tenho uma hérnia) que voltou nos meses da amamentação e o cansaço da frequência, amamentar foi tranquilo. Já o sono foi infernal, eu sempre adorei dormir muito, e me senti um zumbi por vários meses. Fiquei sem dormir uma noite completa (6h seguidas) até perto do menino completar 2 anos, quando decidimos (tarde demais, na minha opinião) fazer cama compartilhada. Depois que ele veio dormir na nossa cama, nossa vida mudou: melhorou MUITO, pois já não acordávamos mais durante a madrugada para fazê-lo voltar a dormir. Deixá-lo chorando sozinho nunca foi uma opção pra nós, então o processo todo foi muito desgastante. Se tivesse nos ocorrido que dormir junto seria tão simples, teria mantido assim ao invés de colocá-lo no berço no seu quarto aos 5 meses, como fizemos.
Você conta também da expectativa de o filho ser parecido com você, e que, diferentemente, ele é introvertido. Como você lida com isso?
Isso é uma das coisas mais difíceis e mais bonitas da maternidade, na minha opinião. O Otto é completamente diferente de mim, em personalidade, e mais parecido com o pai. Mas o pai é adulto, e já aprendeu a “navegar” no mundo dos extrovertidos. Pra mim é um mundo novo, complexo, misterioso, e com o qual não me sinto 100% à vontade, sempre fica a paranoia de que o menino “tem problema” porque não é extrovertido e super sociável. Por mais que a pediatra afirme que ele é ótimo, e várias pessoas confirmem que isso é só personalidade, eu não consigo entender, então fico tensa. Mas está melhorando, conforme eu leio, converso com amigos introvertidos e (o mais importante) presto atenção aos meus preconceitos. É isso que tenho feito: me educado, e aprendido a conviver com a diferença (o que me faz muito bem na vida de forma geral, não só como mãe). Mas nunca tive grandes expectativas concretas sobre meu filho, até porque nem pensava em tê-lo. Sou muito flexível e gosto de improvisar, seja pra mim mesma ou pra família, então não fico fazendo planos ou pensando no que ele vai fazer, o que vai estudar, essas coisas. Eu quero mesmo é que ele seja saudável, feliz, seguro, e isso ele já é desde muito pequeno. Apesar de introvertido, ele é muito assertivo, objetivo, se expressa bem, sabe o que quer, sabe dizer não (coisa que eu aprendi aos 30!). Não podia querer nada além disso.
Hoje, com ele maior, como é a rotina de vocês? Como os cuidados com ele se encaixam em seu dia a dia (viagens, trabalho etc.)?
Minha rotina é bem estruturada, mas não é exatamente rígida (ou seja, a gente adapta quando precisa). Eu trabalho fora o dia todo, sou gerente de TI de uma multinacional para a América do Sul, o trabalho me exige muito. Mas já na gravidez decidi que seria mais regrada com minha dedicação ao trabalho, e procuro fazer poucas horas adicionais, sempre dou muito foco em ser produtiva ao máximo no horário de trabalho, e desligar quando vou pra casa — é assim que tenho feito, e funciona muito bem. Nossa família foi organizada de um jeito muito moderno, e diferente da maioria que conheço — eu trabalho das “8 às 17h” e meu marido é freelancer, desde antes do Otto nascer. Então é ele que cuida de coisas da casa, supermercado, que leva e traz o Otto para a escola, que resolve todas essas coisas do dia a dia, que cuida dele quando eu viajo a trabalho (raro, mas acontece). Temos ajuda de uma super funcionária (segunda a sexta), que cuida da casa e ajuda com o Otto quando o pai não está. Eu chego à noite e só brinco e cuido do Otto, junto com ele. No fim de semana, passeamos, fazemos coisas juntos, nada muito planejado — fazemos o que temos vontade. Não gosto de criar “calendário” para a criança, já basta a nossa vida de adulto cheia de compromissos. Então, temos nossa rotina do dia a dia bem fixa (horário de escola, almoço, lanche, jantar, dormir), mas estamos sempre dispostos a improvisar e nos fins de semana fazemos o que der vontade. Quanto às viagens, é uma das atividades que mais amamos, desde que casamos, e o Otto foi incluso nessa rotina a partir de 1 ano. Viajamos todos os anos, para diversos lugares diferentes, outros países ou aqui mesmo, sem muito planejamento, improvisando no caminho. A experiência é diferente com uma criança (quanto menor, mais difícil), mas é também muito bonita — ver o mundo através dos olhos da criança (além dos seus) é mágico, e muito interessante. Dá trabalho? Dá, mas vale a pena.
Uma coisa que vale para todas as perguntas que você me fez, vale em especial aqui: para ser feliz na experiência de ser mãe e pai é preciso parar de perseguir a perfeição, o “certo”, e ver alegria e beleza na surpresa, na diferença e até na dificuldade (mesmo que seja olhando depois). Criar uma criança é reviver nossa própria história, e muitas vezes fazer as pazes com o passado. Caso você insista em condenar o passado, e for muito perfeccionista, o sofrimento é inevitável. Eu escolhi ser feliz 🙂