..11.2.01..
Reinvenção A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo... ? mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços. Projeto-me por espaços cheios da tua Figura. Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço... Só ? no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só ? na treva, fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. (Cecília Meireles)
recitado por Clarice M. @ 4:11 PM
..7.2.01..
O Amor bate na Aorta Cantiga de amor sem eira nem beira, vira o mundo de cabeça para baixo, suspende a saia das mulheres, tira os óculos dos homens, o amor, seja como for, é o amor.
Meu bem, não chores, hoje tem filme de Carlito.
O amor bate na porta o amor bate na aorta, fui abrir e me constipei. Cardíaco e melancólico, o amor ronca na horta entre pés de laranjeira entre uvas meio verdes e desejos já maduros.
Entre uvas meio verdes, meu amor, não te atormentes. Certos ácidos adoçam a boca murcha dos velhos e quando os dentes não mordem e quando os braços não prendem o amor faz uma cócega o amor desenha uma curva propõe uma geometria.
Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro o amor subiu na árvore em tempo de se estrepar. Pronto, o amor se estrepou. Daqui estou vendo o sangue que escorre do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã.
Daqui estou vendo o amor irritado, desapontado, mas também vejo outras coisas: vejo corpos, vejo almas vejo beijos que se beijam ouço mãos que se conversam e que viajam sem mapa. Vejo muitas outras coisas que não ouso compreender... (Carlos Drummond de Andrade)
Quando comecei a me interessar mesmo por poesias, devia ter uns 13 ou 14 anos, ficava frustrada porque não conseguia entender os poemas. Depois eu fui aprendendo a senti-los... e é assim que eu gosto de ler.
recitado por Clarice M. @ 12:28 AM
..5.2.01..
Porque Amor meu, minhas penas, meu delírio, Aonde quer que vás, irá contigo Meu corpo, mais que um corpo, irá um'alma, Sabendo embora ser perdido intento
O de cingir-te forte de tal modo Que, desde então se misturando as partes, Resultaria o mais perfeito andrógino Nunca citado em lendas e cimélios
Amor meu, punhal meu, fera miragem Consubstanciada em vulto feminino, Por que não me libertas do teu jugo, Por que não me convertes em rochedo,
Por que não me eliminas do sistema Dos humanos prostrados, miseráveis, Por que preferes doer-me como chaga E fazer dessa chaga meu prazer? (Carlos Drummond de Andrade)
Esse poema me lembra um grande amor assim como um grande desgosto. Isso chega a ser irônico, dada a natureza do poema: dor e prazer, amor e sofrimento. Dediquei esse poema à pessoa amada -- premonição do que viria no futuro distante? -- e hoje, relendo, vejo como estou nele também, como fui capaz de ferir enquanto acariciava. Somos todos, acho.
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito, Exijo respeito, não sou mais um sonhador... Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor E dou risada do grande amor. Mentira. (Mentira, Chico Buarque)
recitado por Zel @ 11:44 PM
A Vigília de Hero Tu amarás outras mulheres E tu me esquecerás! É tão cruel, mas é a vida. E no entretanto Alguma coisa em ti pertence-me! Em mim, alguma coisa és tu. O lado espiritual do nosso amor Nos marcou para sempre. Oh, vem em pensamento nos meus braços! Que eu te afeiçoe e acaricie...
Não sei por que te falo assim de coisas que não são. Esta noite, de súbito, um aperto De coração tão vivo e lancinante Tive ao pensar numa separação! Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo. Queria ver-te... estar ao pé de ti... Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me!
É como uma corrida, em minhas veias, De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos Que queriam tomar tua cabeça amada, Afagar tua fronte e teus cabelos, Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!
Oh, quisera não ser tão voluptuosa! E todavia Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia! Mas faz sofrer... inquieta... Ah, com que poderei contentá-la jamais? Quisera acalmá-la na música... Ouvir muito, ouvir muito... Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!
Possui-me como sou na ampla noite pressaga! Sente o inefável! Guarda apenas a ventura Do meu desejo ardendo a sós Na treva imensa... Ah, se eu ouvisse a tua voz! (Manuel Bandeira)
Essa é a minha poesia. Acho que todo mundo que gosta de poesia tem a sua, e eu me apaixonei por ela à primeira vista. Quando a li pela primeira vez me vi pronunciando cada verso, como se eles tivessem sido feitos para a minha voz. Eu tinha 16 anos, era menina ainda, e sabia que aquela mulher da poesia não era eu... ainda. Mas poderia ser e acredito que será. Cada vez mais vou ao encontro dela, dessa mulher sedenta, ciente da sua sede e da sua inevitável solidão.
recitado por Zel @ 11:24 PM
..3.2.01..
É um não querer mais que bem querer, Camões
I Gosto de ti apaixonadamente, De ti que és a vitória, a salvação, De ti que me trouxeste pela mão Até o brilho desta chama quente.
A tua linda voz de água corrente Ensinou-me a cantar... e essa canção Foi ritmo nos meus versos de paixão, Foi graça no meu peito de descrente.
Bordão a amparar minha cegueira, Da noite negra o mágico farol, Cravos rubros a arder numa fogueira!
E eu, que era neste mundo uma vencida, Ergo a cabeça ao alto, encaro o Sol! -- Águia real, apontas-me a subida!
II Meu amor, meu Amado, vê... repara: Poisa os teus lindos olhos de oiro em mim, -- Dos meus beijos de amor Deus fez-me avara Para nunca os contares até o fim.
Meus olhos têm tons de pedra rara -- É só para teu bem que os tenho assim -- E as minihas mãos são fontes de água clara A cantar sobre a sede dum jardim.
Sou triste como a folha ao abandono Num parque solitário, pelo Outono, Sobre um lago onde vogam nenufares...
Deus fez-me atravessar o teu caminho... -- Que contas dás a Deus indo sozinho, Passando junto a mim, sem me encontrares? --
III Frêmito do meu corpo a procurar-te, Febre das minhas mãos na tua pele Que cheira a âmbar, a baunilha e mel, Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda parte, sede de beijos, amargor de fel, Estonteante fome, áspera e cruel, Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma Junto à minha, uma lagoa calma, A dizer-me, a cantar que me não amas...
E o meu coração que tu não sentes, Vai boiando ao acaso das correntes, Esquife negro sobre um mar de chamas...
IV És tu! És tu! Sempre vieste, enfim! Oiço de novo o riso dos teus passos! És tu que eu vejo estender-me os braços Que Deus criou para me abraçar a mim!
Tudo é divino e santo visto assim... Foram-se os desalentos, os cansaços... O mundo não é mundo: é umjardim! Um céu aberto: longes, os espaços!
Prende-me toda, Amor, prende-me bem! Que vês tu em redor? Não há ninguém! A Terra? -- Um astro morto que flutua...
Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente, Tudo o que é vida e vibra eternamente É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!
(Florbela Espanca, Sonetos)
Ainda faltam 6 sonetos, depois eu completo :) Ganhei esse livro de uma pessoa muito especial, a Verônica, minha ex-sogra, mãe do Miguel. Ela gosta muito de livros, como eu, e logo percebeu meu gosto pela poesia. Esse livro era da coleção dela, e é uma honra pra mim poder guardá-lo. Um dia, espero poder ter o mesmo desprendimento e dá-lo a alguém que esteja -- como eu ainda estou... -- descobrindo a poesia da Florbela Espanca. Obrigada Verônica! :)
recitado por Zel @ 9:59 PM
Eu sou Clarice e cheguei pra dar uma modesta contribuição aqui ;-)
Lembrança de Morrer Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nenhuma lágrima Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro, - Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh?alma errante, Onde fogo insensato a consumia: Só levo uma saudade - é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade - é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas De ti, ó minha mãe, pobre coitada, Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai... de meus únicos amigos, Poucos - bem poucos - e que não zombavam Quando, em noites de febre endoudecido, Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei que nunca Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores... Se viveu, foi por ti! e de esperança De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo... Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Sombras do vale, noites da montanha Que minha alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d?aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos... Deixai a lua pratear-me a lousa! (Álvares de Azevedo)
Por que começar com Álvares de Azevedo? Hum... Foi a primeira vez que eu fiquei arrepiada com outra pessoa lendo um poema. No segundo ano eu tinha uma paixão platônica pelo meu professor de literatura - um coroa metido a hippie e a sabe-tudo - que dava uma aula incrível! Ninguém na turma se interessava muito por literatura, então tinha dias que ele parecia que dava aula só pra mim. Esse poema foi em um desses dias. Acho que nunca li tanto na minha vida... Isso foi bom.
recitado por Clarice M. @ 5:52 PM
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