..30.3.01..
E se E se o oceano incendiar E se cair neve no sertão E se o urubu cocorocar E se o Botafogo for campeão E se o meu dinheiro não faltar E se o delegado for gentil E se tiver bife no jantar E se o carnaval cair em abril E se o telefone funcionar E se o pantanal virar pirão E se o Pão-de-Açúcar desmanchar E se tiver sopa pro peão E se o oceano incendiar E se o Arapiraca for campeão E se à meia-noite o sol raiar E se o meu país for um jardim E se eu convidá-la pra dançar E se ela ficar assim assim E se eu lhe entregar meu coração E meu coração for um quindim E se o meu amor gostar então De mim
(Chico Buarque)
Desculpa, mas não dá mesmo comentar Chico, muito menos esses versos, muito menos agora...
recitado por Clarice M. @ 10:22 PM
..27.3.01..
Soneto da Perdida Esperança Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta em que os caminhos se fundem. Todos eles conduzem ao princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo ou se é alguém que se diverte por que não? na noite escassa
com um insolúvel flautim. Entretanto há muito tempo nós gritamos: sim! ao eterno.
(Carlos Drummond de Andrade)
Este poema foi escolhido pelo Gabriel para o Miguel, que não foi à festa. Aqui está, se ele quiser ler. O que foi dedicado à mim será digitado depois, com calma.
recitado por Zel @ 3:51 PM
..25.3.01..
Amar
Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
(Carlos Drummond de Andrade)
recitado por Clarice M. @ 6:40 PM
..23.3.01..
Canção do estranhamento
Baixei as tranças para que viesses dei-te a chave para que habitasse os quartos mais secretos.
Mas de repente vejo-te na praia Buscando um horizonte diferente que nem eu antes disso pressentia.
Quero deixar-te ir, sem desprender-me de tudo isso que sou e desejaste, e me dói, e me espanta e me remorde abrir a mão par ao teu sonho alado sem te cobrar ternuras nem cuidados com o que conquistaste e já não queres, que te libertaria mas te algema e que te inquieta agora, com desejos de correr, de voar, de estar ausente.
(Lya Luft)
recitado por naomi . @ 2:19 PM
..21.3.01..
CANTIGA
Ouvir um pássaro é agora ou nunca
é infância ou puro momento?
Ouvir um pássaro é sempre
(dói fundo no pensamento).
(Orides Fontela in Teia)
recitado por Gabriel @ 3:49 PM
..20.3.01..
Para o Zé
Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe - os lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo. Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto: "Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível. Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos. Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho. Amo até a barata, quando descubro que assim te amo, o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal. Tudo que não é mulher está em ti, maravilha. Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos, a luz na cabeceira, o abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo. (Adélia Prado)
Um dos meus poemas preferidos dela... Que lindo! :) (Zel)
recitado por naomi . @ 8:39 PM
..19.3.01..
No ciclo eterno das mudáveis coisas
No ciclo eterno das mudáveis coisas Novo inverno após novo outono volve À diferente terra Com a mesma maneira. Porém a mim nem me acha diferente Nem diferente deixa-me, fechado Na clausura maligna Da índole indecisa. Presa da pálida fatalidade De não mudar-me, me fiel renovo Aos propósitos mudos Morituros e infindos.
(Fernando Pessoa / Ricardo Reis)
recitado por Zel @ 12:48 AM
..14.3.01..
Demora-te sobre minha hora. Antes de me tomar, demora. Que tu me percorras cuidadosa, etérea Que eu te conheça lícita, terrena
Duas fortes mulheres Na sua dura hora.
Que me tomes sem pena Mas voluptuosa, eterna Como as fêmeas da Terra.
E ati, te conhecendo Que eu me faça carne E posse Como fazem os homens. (Hilda Hilst em Da morte.Odes mínimas)
recitado por Gabriel @ 11:21 PM
A Mulher Que Passa
Meu Deus, eu quero a mulher que passa Seu dorso frio é um campo de lírios Tem sete cores nos seus cabelos Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas Que me sacias e suplicias Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia Teus sofrimentos, melancolia. Teus pelos leves são relva boa Fresca e macia. Teus belos braços são cisnes mansos Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas Que vens e passas, que me sacias Dentro das noites, dentro dos dias! Por que me faltas, se te procuro? Por que me odeias quando te juro Que te perdia se me encontravas E me encontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que passas? Por que não enches a minha vida? Por que não voltas, mulher querida Sempre perdida, nunca encontrada? Por que não voltas à minha vida Para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa! Eu quero-a agora, sem mais demora A minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacífica Que é tanto pura como devassa Que bóia leve como a cortiça E tem raízes como a fumaça. (Vinícius de Moraes)
Para a minha estréia, a primeira poesia que recebi de uma pessoa especial. Desejo e Saudade.
recitado por naomi . @ 7:17 PM
..7.3.01..
Buscar Do ditirambo à raiz do mar se estende um novo tipo de vazio; não quero mais, diz a onda, que não sigam falando, que não siga crescendo a massa do concreto na cidade; estamos sozinhos, queremos gritar por fim, mijar frente ao mar, ver sete pássaros da mesma cor, três mil gaivotas verdes, buscar o amor na areia, sujar os sapatos, os livros, o chapéu, o pensamento até encontrar-te, nada, até beijar-te, nada, até cantar-te, nada, nada sem nada, sem fazer nada, sem terminar o verdadeiro. (Pablo Neruda)
A primeira vez que li Neruda eu era muito nova... foi de um livrinho de bolso que peguei no meio dos livros que eram do meu avô. Esse livro ainda está comigo, claro. Últimos Poemas(O Mar e os Sinos). Além de ser uma poesia que eu adoro, sempre me lembra meu avô, que foi uma das pessoas mais importantes da minha infância.
recitado por Clarice M. @ 10:05 AM
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