retratos
eu queria escrever sobre um sorriso, sobre um cochilo de sono leve, sobre preguiça e sol, sobre músicas cantadas no escuro, no ouvido. queria escrever sobre sabores e noites de vento fresco, sobre o sol e as cores, sobre uma catedral com animais tropicais esculpidos em pedra, sobre um menino com olhos que brilham, que falam comigo. queria escrever da saudade dela, do quanto ele me faz lembrar dela, e ela me lembra dele, e como isso é maluco (e bom). sentir saudade nunca foi tão bom. sentir saudade do que se tem, seja onde for, só faz aumentar o desejo. a saudade que dói é aquela do que não se tem, do que sabemos que não podemos mais alcançar. eu sinto saudade e febre de desejo, sorrio em silêncio ou conto histórias intermináveis. sou como sherazade, emendando histórias para que os dias nunca acabem, para que meu ouvinte jamais queira partir. enquanto isso eu contemplo, ofereço imaginação misturada com histórias, temperadas com meu riso e meu próprio encantamento, pois que sou tomada por meu próprio canto, experimento meu veneno e me entrego feliz.
eu queria escrever sobre tudo isso, mas eis que só tenho flashes, como fotos. meus textos têm sido complemento de um grande álbum de fotos: vou escrevendo as legendas dia a dia e não consigo evitar de pensar que tanto quanto as fotos são pouco diante do que está na minha lembrança, os textos são meros fragmentos da doçura e do sal do que sinto, do que vivo.
fico feliz em poder guardar recortes dos momentos da vida, como numa agenda guardamos às vezes ingressos de cinema ou papéis de bala, somente pra não esquecermos que aquele dia realmente aconteceu. mas cada vez mais percebo que isso aqui (estes escritos), as fotos, os textos, as letras e os papéis são meros lembretes. a vida é inexplicável, felizmente.