deuses e monstros
já transformei pessoas boas em monstros porque amei demais, e para esquecer, precisaria odiar. quando me vi sem o objeto do meu amor, procurei de toda forma esquecê-lo, e para ajudar, pintei-o como um monstro horrível, com todos os defeitos do mundo. afinal, eu tinha que encontrar um motivo para transformar todo sentimento bom que eu queria oferecer e não podia em algo ruim, que amenizasse talvez a sensação de amar quem não me queria; melhor (achava eu) era odiar o monstro. eu o criei, acreditei nele, e destruí o amor (pelo menos por um tempo). o meu amor e minhas lembranças boas retornaram, depois de um tempo, mas eu tinha destruído a ponte de comunicação, graças ao ódio. lamento muito por ter impedido uma boa amizade de continuar. não fui capaz de administrar o amor sem o amado.
já sofri em silêncio porque amei muito e não consegui ver o monstro no meu amado. eu o via como era: uma pessoa boa e doce, e nada mais. demorou um tempo, mas a dor do amor passou e ficaram as boas lembranças, as lembranças legítimas de uma época boa, de uma pessoa ótima que passou pela minha vida mas que não é mais um par, é um bom amigo. essa foi a forma mais saudável de conviver com um amor. demorei anos para reencontrar o meu ex-amado, e descobri-lo amado de novo, mas de outra forma. mas nesse meio tempo, jamais o odiei. ele sempre teve minha admiração.
minha última mágica foi transformar um escroto em alguém bom. por meses eu me enganei, encontrava todo o tipo de desculpa para perdoar escrotices. para piorar a fantasia, o escroto sempre foi bom com palavras. se eu tinha dificuldade de me convencer sozinha de que toda a escrotice do mundo tinha motivo e razão de ser, e a razão era boa, ele me convencia disso. os discursos eram sempre lindos, enquanto a prática era péssima: falta de respeito, de delicadeza, de consideração eram uma constante. transformei um monstro em deus, graças ao meu amor, graças ao medo de perder, graças ao medo de me ver amando alguém que não merecia meu amor. me degradei, me humilhei, inventei mentiras pra mim mesma, acreditei em alguém que só existiu na minha cabeça, devolvi ódio com ódio, por amor. ignorei deliberadamente as escrotices cometidas comigo e com os outros. protegi meu amor numa redoma de mentiras, com lentes coloridas. em resumo, me iludi e lamento profundamente. quando o amor acabou, pude ver com clareza o que houve, e acho que aprendi uma lição: procurar conhecer melhor as pessoas antes de me apaixonar. depois de apaixonados, fazemos qualquer coisa para manter o amor, até perder o respeito por nós mesmos.
mas a vida ensina, e eu aprendo. hoje, as histórias são diferentes: procuro amar aos que merecem, dou valor a quem me valoriza, me afasto de quem me faz mal, porque aprendi a amar mais a mim mesma que a qualquer outro. essa é uma lição aprendida a duras penas, mas da qual jamais vou me esquecer.