rewind. record+play. fast forward
sim, às vezes tenho desejos incontroláveis de apagar meu passado. apagar pessoas. apagar sentimentos. tenho vergonha de ter amado, vergonha do que vivi. ah, sim, foi bom, e cresci, e isso e aquilo.. bah. quase penso que é mera desculpa para o erro, para o meu equívoco. erro e tento me convencer de que escrevo certo por linhas tortas, tal qual aquele deus que inventamos e depois esquecemos que inventamos. às vezes queria voltar no tempo, naquele específico dia, aquele dia que me permitiria viver hoje com mais dignidade, o dia da descoberta prévia do erro futuro, que me pouparia da dor de hoje. voltaria rápido, depois de evitar meu erro, e o que eu veria? veria uma mulher mais feliz, mais sábia, menos triste neste exato instante? ou veria uma mulher que não errou e portanto não aprendeu? não estou ainda convencida de que o erro é a única forma de aprendizado. tento acreditar nisso para conviver mais feliz com os sofrimentos causados pelas minhas escolhas. o sofrimento que eu mesma provoquei deve ter algum sentido, senão, tudo o mais perde o sentido. por que escolhi passar por certas coisas? por que me deixei ser maltratada? sinto raiva, misturada a uma grande tentação de acreditar que tudo é culpa minha. tudo. pois que eu escolho os caminhos, eu digo “sim” e “não” conforme me interesse. que mecanismo é esse de culpa e perdão dentro da esfera privada, dentro deste campo de batalha interior? a raiva do outro nada mais é que pálido reflexo da raiva de mim mesma, consciente de que tudo o que o outro me inflige é com meu consentimento, sempre. por isso o desejo de retomar o controle do filme da minha vida, rebobinar essa fita e gravar outras coisas por cima, corrigir, apagar, avançar e voltar. queria eliminar coadjuvantes inconvenientes, aqueles que iluminaram em vários momentos a minha imperfeição, a minha falta de consciência. quem sabe, as coisas não são assim por pura crueldade? para que tenhamos que encarar, dia após dia, na armadilha da consciência, o que fizemos da nossa vida. infelizes, condenados a assistir ininterruptamente ao filme da própria vida, inclusive àqueles momentos que adoraríamos esquecer. os personagens medíocres que incluímos no roteiro se repetem, com roupas diferentes, as situações são as mesmas e não percebíamos (quem é o roteirista imbecil deste filme, meu deus?!), somos canastrões representando a nós mesmos.
eu quero jogar fora essa fita, os personagens, o roteiro, o cenário roto. quero o espaço do palco, a liberdade do improviso, a ignorância de quem acabou de nascer. quero esquecer, recomeçar, cortar os cabelos e jogar todas as roupas fora, mudar de cor preferida e lembrar somente do que desejo e quero, dos nomes das flores e dos sabores sutis dos temperos. saiam da minha vida, personagens, todos. vão embora, fantasmas, erros, sombras do passado. me deixem em paz!