diversão e arte

quando começo a sufocar — e vez em quando isso acontece — me refugio na beleza, no que a vida oferece de espantoso. e a beleza, aprendi, está nos meus olhos, no meu perceber a vida. paro no meio de tudo e fecho os olhos, muito brevemente, mas ao parar já sei que o que está ao meu redor já não é mais o mesmo; basta então que eu pisque lentamente os olhos e tudo muda de tom. caminho pelas mesmas ruas de sempre, vou a lugares mais que conhecidos, me alimento dos mesmos temperos e ingredientes há muito sabidos; mas eis que tudo é novo e espantoso, é maravilhosa a trama da vida. fios interligados, que movem a mim e a todo o resto, como posso deixar de sorrir perplexa a cada ônibus que passa cheio de gente? entro no ônibus, sem saber exatamente onde vou, bêbada de sensações. acho que olho tudo boquiaberta como pela primeira vez, pela milésima vez. vejo o museu, desço. sou visitante de novo, e de novo sinto os cheiros e admiro as cores, olho as pessoas ao redor sem timidez, procuro olhos que se esquivam. subo, e encontro alimento para a minha fome. encantada, caminho pelos corredores conhecidos, quase toco aquele quadro da parede. o excesso de beleza causa euforia e vontade de abraçar o que não concebo, abraço a mim mesma com os olhos fechados, rápido, antes que alguém perceba o quanto estou viva. as cores, as pinceladas marcadas no óleo, aquele detalhe escondido em segundo plano (olho ao redor e penso “vocês vêem o que eu vejo?”), luzes há muito extintas, rostos que podem ter sido de alguém que viveu, que são certamente do artista que viveu para imaginá-lo e vê-lo como ele se preserva. riscos tão finos quanto cabelos, papel delicado que por si só é um milagre, minhas mãos tremem porque quero sentir a textura — dói a falta do toque, da carícia; o tato sempre tão negligenciado em detrimento da visão — e me sinto criminosa, luxuriosa, com desejos secretos aparecendo no brilho dos olhos. horas depois, volto à rua. o ar parece claro, meus braços nus se ressentem do frio, me lembram de que estou viva e quente. uma mulher colorida e faminta caminhando pela cidade, à procura da beleza da vida.

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