felicidade
uma estrada enorme, cores transbordando dos olhos, música invadindo meu mundo interior, tornando tudo maior que a própria vida. às vezes não caibo em mim, não há palavras que expressem o que sinto. sinto-me muda, que cor é aquela de por-de-sol de inverno, em 1993? como explicar que esse cheiro de mato é cheiro de férias, que esse som é manhattan em maio? precisaria de imagem, som, cheiro, sensação, todos vindos direto da minha lembrança, da memória afetiva que esquece um nome mas não esquece o sabor daquela manga da beira da estrada, com o corpo cheio de sal.
balbucio desculpas para um mundo exterior que me ignora, e lágrimas insistentes acabam substituindo as palavras que eu não pronuncio por pura incompetência. sorrio aquele sorriso do gato de alice, que não cabe no rosto, fitando o meu lado vazio — tenho medo que me vejam com os olhos brilhantes de loucura. entendo que sou simplesmente tão feliz quanto alguém pode ser naquele instante, e sinto um alívio estranho ao perceber que não ser assim tão feliz o tempo todo é salutar, é necessário. se assim fosse, eu simplesmente deitaria na grama úmida e ficaria a contemplar a vida, alimentando-me de som e cor, produzindo sonhos à velocidade da luz, sentindo cada pedaço de mim inundado de prazer e morreria, de felicidade absoluta. o momento passa, e eu relembro com medo e amor, pego a mão mais próxima e beijo de olhos fechados. ele ali ao lado não sabe, mas é graças a ele que retorno ao mundo dos outros, ao mundo que me contém. esse mesmo mundo, contido em mim, devoraria a mim e a tudo que me cerca. não fosse a mão e o sorriso do que não sou eu, eu me perderia em mim, delirando em arco-íris.