aprendendo a ser só
de repente descobri que nunca fui só, verdadeiramente. quando a solidão apertava, eu recorria à casa prestes a ser arrumada, a uma iminência de mudança. a mudança tem sido minha maior companheira, aquela que nunca reclama quando é abandonada e eu me dedico à vivência do que se apresenta com pessoas de verdade. fujo de mim constantemente, seja nos outros, seja nas coisas que se acumulam nos meus dias cheios. minha mãe percebeu bem: quanto maior a quantidade de atividades às quais me dedico, tanto maior é minha dor. preencho buracos diversos com atividades, festas, cursos, horas cheias, outras pessoas. tudo para não me ver. casa pra arrumar, festa para ir, filmes, livros, cursos, pessoas para cuidar, bichos, tudo o mais que não sou eu torna-se a coisa mais importante da vida.
pela primeira vez desejo ardentemente estar só, comigo mesma. redescobrir meus espaços, ver-me em silêncio, sem apelar para músicas no ambiente, sem TV para amaciar o silêncio e o vazio interior. quero organizar minha vida por dentro, a partir do silêncio e da consciência de quem sou, quero me dizer de olhos bem abertos “me amo, te amo, mulher”. quero me dizer muito prazer, e ter mesmo muito prazer no dizer.
quero me dedicar à convivência feliz, amorosa e principalmente selecionada. convivência de amor e não de necessidade de companhia; a escolha pelo outro porque ele nos acrescenta e não porque nos completa ou supre faltas. não sinto falta de mais nada, além de mim mesma, e agora sim — finalmente — estou pronta para ser completa para quem me quiser. não se trata de estar só, simplesmente. é ser, só.