adágio de amor

preciso não dormir

até se consumar

o tempo

da gente

preciso conduzir

um tempo de te amar

te amando devagar

e urgentemente

o fim se arrastara por dias que viraram semanas e meses, mas não houve acordo. o amor moribundo fedia, os hálitos mal se suportavam. venenos e verdades ditas, repetidas, e a compreensão dos fatos não amenizou a dor, novamente. cabeças pensantes concluíam brilhantemente enquanto os coraçães doíam como só doem as dores de amor. lágrimas civilizadas foram derramadas, abraços e declarações de eterno agradecimento foram dados. cidadãos respeitáveis.

pretendo descobrir

no último momento

um tempo que refaz o que desfez

que recolhe todo o sentimento

que bota no corpo uma outra vez

silêncios cheios de lágrimas na casa cheia de sonhos vagando sem dono. chegavam aos colos e já não tinham casa, soluçavam. sua dor misturava-se à deles, e somente cada um no seu mundo interno soube o que doía. a dor se pegava com as mãos, de tão densa. ela chorou como choram as mulheres e ele como choram os homens; isolados, lambiam suas feridas. persistiram no erro, até o instante final.

prometo te querer

até o amor cair

doente

doente

prefiro então partir

a tempo de poder

a gente se desvencilhar da gente

ele, pela primeira vez, resolve alimentá-la de comida (talvez compensando o afeto negado por tanto tempo) feita por suas próprias mãos de homem. enquanto ela chora ao sol do fim de tarde, aquecendo-se de um frio que não passa, não passa, ele cozinha. cozinha a última refeição juntos, a primeira e última oferecida como presente a ela. homenagem quase póstuma, selo de adeus. chico buarque toca em todos os sentidos, lembrando dedicatórias de amor de outrora, seus versos ganhando novos significados. “como o amor pode ser tão feliz e tão triste, na mesma música?”, ela pensa engolindo as lágrimas que pode, deixando rolar as que insistem. ele cozinha.

depois de te perder

te encontro, com certeza

talvez num tempo da delicadeza…

sentam-se na mesa, ele com os olhos molhados e a comida pronta, ela sem o menor apetite de comida, faminta de amor. pensa mais uma vez se… não. não mais aos apelos silenciosos, não mais às noites vazias, não mais ao amor transbordando e sem mar, não à tentação da fé sem ação dele. ele acredita no fim e a ele se dedica, sistematicamente, com a devoção de só quem ama é capaz.

… onde não diremos nada,

nada aconteceu

apenas seguirei, como encantado

ao lado teu.

apenas seguirei como encantado ao lado teu. ambos param as garfadas – difíceis – e choram com o coração, ouvindo chico concretizando o fim (o deles! como ele sempre sabe?), fazendo doer o restinho de esperança. ela, a esperança, dói mais no momento de ir embora, quando viramos a ela as costas, fechando os olhos para resistir, resistir. depois de te perder… não haverá certeza e tampouco delicadeza, só uma sombra de amor, um peso de adeus e – misturando canções – a leve impressão de que foram tarde.

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