(sem título)

a vigília de hero

tu amarás outras mulheres

e tu me esquecerás!

é tão cruel, mas é a vida. e no entretanto

alguma coisa em ti pertence-me!

em mim, alguma coisa és tu.

o lado espiritual do nosso amor

nos marcou para sempre.

oh, vem em pensamento nos meus braços!

que eu te afeiçoe e acaricie…

não sei por que te falo assim de coisas que não são.

esta noite, de súbito, um aperto

de coração tão vivo e lancinante

tive ao pensar numa separação!

não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.

queria ver-te… estar ao pé de ti…

cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me!

é como uma corrida, em minhas veias,

de fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos

que queriam tomar tua cabeça amada,

afagar tua fronte e teus cabelos,

prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

oh, quisera não ser tão voluptuosa! e todavia

quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!

mas faz sofrer… inquieta…

ah, com que poderei contentá-la jamais?

quisera acalmá-la na música… ouvir muito, ouvir muito…

sinto-me terna… e sou cruel e melancólica!

possui-me como sou na ampla noite pressaga!

sente o inefável! guarda apenas a ventura

do meu desejo ardendo a sós

na treva imensa… ah, se eu ouvisse a tua voz!

(manuel bandeira)

**

eu me vejo às vezes tão paradoxal. mutante e constante, uma lua: brilhante, cheia de luz; escondida e circunspecta. sou segura e cheia de energia agora e daqui a pouco pequena e frágil, escondida. fico lisa com a idade, como pedra de um rio: a água passa e lava tudo, eu fecho os meu não-olhos de pedra e me deixo levar e ficar. eu quero parar de resistir à corrente, de bater nas outras pedras. me lasquei muito, as cicatrizes ainda estão aqui, ásperas. os braços soltos pela água transparente, o corpo leve e pesado de pedra, eu quero que água me lave, e leve.

Deixe um comentário