(sem título)

a formosura do teu rosto obriga-me

e não ouso em tua presença

ou à tua simples lembrança

recusar-me ao esmero de permanecer contemplável.

quisera olhar fixamente a tua cara,

como fazem comigo soldados e choferes de ônibus.

mas não tenho coragem,

olho só tua mão,

a unha polida olho, olho, olho e é quanto basta

pra alimentar fogo, mel e veneno deste amor incansável

que tudo rói e banha e torna apetecível:

caieiras, desembocaduras de desgostos,

idéia de morte, gripe, vestido, sapatos,

aquela tarde de sábado,

esta que morre agora antes da mesa pacífica:

ovos cozidos, tomates,

fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.

recolho tamancos, flauta, molho de flores, resinas, rispidez de teu lábio que

suporto com dor

e mais retábulos, faca, tudo serve e é estilete,

lâmina encostada em teu peito. Fala.

fala sem orgulho ou medo

que à força de pensar em mim sonhou comigo

e passou um dia esquisito,

o coração em sobressaltos à campainha da porta,

disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.

nem é preciso que o amor seja a palavra.

“penso em você” – me diz e estancarei os féretros,

tão grande é minha paixão.

(amor, adélia prado)

pra você.

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