dos demônios mal atribuídos

vi nesse fim-de-semana um filme chamado equilibrium: trata-se de um mundo sem sentimentos e, segundo os criadores, perfeito. sem os sentimentos não há guerra, violência, maldade. acaba o ciúme e o sofrimento, vivemos todos em constante estado de tranquilidade e paz.

a ficção pretende demonstrar uma tese através da antítese: o que seria do mundo sem sentimentos? não existe remédio e nem fórmula para filtrá-los de forma genérica. o que é o amor, o ciúme ou o sofrimento para cada um de nós? existe uma freqüência cerebral que defina unicamente nossos sentimentos? a solução do filme é eliminar todos: o sacrifício dos sentimentos “bons” para erradicação dos “maus”. é claro que no fim tudo desanda e os sentimentos levam a melhor. bem ou mal, o “povão” decide que quer mais é ter liberdade de sentir.

mas eu contei o fim do filme (é ruim, não veja) e na verdade eu só queria um gancho: há muitos que acreditam que sentimentos são maus, que são algo a eliminar ou domar. como se amar ou odiar fosse ruim, essencialmente; como se o simples exercício destes sentimentos trouxesse conseqüências desagradáveis. falando em filmes, de novo, lembro de “abaixo o amor”, uma comédia divertida sobre amar e suas desvantagens. vale ver como se desdobra a história.

mas, sim: é triste cometer erros estúpidos por amor, ciúme, ódio, inveja. quem já não fez bobagem por amor ou raiva? quantas vezes me amaldiçoei por cair de novo na velha armadilha, e de novo, repetidamente? eu costumava culpar os meus “malditos sentimentos” ou “essa boca grande” ou “o gênio ruim”. atenção: não é à toa que atribuímos deslizes ou grandes besteiras cometidas a aspectos nossos terceirizados: não sou eu, é o meu gênio ou minha boca grande. ou minha mania de me apaixonar e de me fazer de idiota e…

*triiim*

… sim, sim, e um dia a ficha cai. não é muito gostoso perceber que os sentimentos e a boca grande ou qualquer outra “entidade” (incluindo aquele ex-namorado filho da puta) não são exatamente os culpados pelas escolhas que fazemos na vida e que sentimentos não regem atitudes e nem ações. sentimentos são só isso: sentimentos, para sen-tir, ahn? sentimos E fazemos coisas (ou não), e é aí que a coisa fica complicada. é culpa do sentimento amor o fato de você ser uma banana que gosta de ser pisada? é culpa da raiva que você é um escroto que não tem respeito pelas pessoas? é culpa do ciúme que você tem problema de auto-estima? entenderam onde quero chegar, certo?

pois. observar o nosso conjunto sentir + agir é uma grande oportunidade de auto-conhecimento, um presentinho que ganhamos na vida. exercitando amor, raiva, ciúme, temos o mais perfeito espelho à nossa frente. quando os sentimentos se manifestam, nós escolhemos o que fazer; há escolhas conscientes e inconscientes, mas todas são escolhas. observá-las e eventualmente mudá-las é um dom. cada um de nós pode (e deve, acho eu) mudar para melhor e escolher viver o amor e não viver a humilhação ou a anulação.

bem, é mais fácil mesmo colocar a culpa nos sentimentos (“eles”) ou em terceiros (mesmo que sejam parte de nós). não é fácil admitir erros; esforçar-se para mudar é ainda mais difícil e frequentemente doloroso.

em caso de medo do que vai ver no espelho, condene os sentimentos, os outros, e diga que sentir não é com você. transforme-se naquelas pessoas amargas que condenam o amor, o ciúme (e todos os sentimentos que envolvem terceiros); ou vire budista e abandone essa distração que afasta você do lindo lago do amor.

se gostar de aventura e desafio, sinta muitíssimo e olhe no espelho. aprenda a gostar do que vê e a ver além do que se é, veja o que se ainda pode vir a ser.

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  1. Se você gostou tanto assim de Equilibrium, sugiro que vá ver Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Trata de tema similar, a eliminação de sentimentos, mas de uma forma mais leve e surreal. Se você gosta de realismo fantástico, vai amar!

  2. muito lindooo esse post. até parece que advinhou o que acontecia por aí. é que essa semana eu andei pensando muito nisso, no sentimento, sentimento em relação às outras pessoas é verdade, mas sentimento. é que eu me afeiçoo fácil fácil às pessoas. a leitores do blog, a pessoas de chat. passam a ser como se fossem amigos que se encontram todos os dias para bater papo. mas uma dessas pessoas que eu considerava pacas, andou se afastando um pouco, em compensação se uniu muito a outra, conhecida em comum. e escrevi pra essa pessoa, dizendo que sentia falta dela. ela só disse que eu preciso de mais amigos reais na minha vida, porque eu me dou demais e espero demais. e que não tenho que ter tantos sentimentos assim em relação a esse tipos de pessoas – “virtuais” – independente de do outro lado, haver uma pessoa com sentimentos e tal.

    bem, foi uma lição dura de aprender, mas eu aprendi.

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