vivas

era uma loja bem grande, com atendentes uniformizados e tudo. sessões separadas, organizadas, pessoas especializadas para nos mostrar o que queríamos. pedi ajuda, e ela veio: uma menina de cerca de 20 anos, ruiva, cheia de sardas. pequena e calma, ela nos ajudou com boa vontade e rapidez, mas os olhos dela estavam tão vermelhos! eu falava sobre a potência do ar-condicionado e observava os cílios molhados, os olhos um pouquinho inchados — só o suficiente pra deixá-la desprotegida.

dois mundos se clarearam em mim: um que é feito de aparência e objetividade, racionalismo de profissional; o outro começou a pingar como se fosse fim de chuva forte, uma emoção que não soube explicar direito e sufoquei. queria interromper a conversa sobre eletrônicos, colocar a mão no braço branco dela e perguntar “tudo bem?”, reconhecer que aquela menina de azul não é “uma atendente” mas uma pessoa. será que ela brigou com o namorado? com a mãe? será que perdeu alguém? ou será um dia ruim de trabalho, em pleno feriado? nunca vou saber.

dias depois a mesma questão voltou como um furacão: lidando com pressão profissional, desafios técnicos e conflitos entre pessoas, me surpreendi ao ver a mim mesma como humana, e chorei. sem saber direito o porquê, chorei por muitos minutos, um choro doído de pena. também eu sou humana, mesmo que não pareça enquanto enfrento centenas de horas de discussões executivas e debates técnico-intelectuais. esqueço que sinto; esqueço de dizer àqueles que seguem acompanhando meu ritmo que eu me importo, sim. meu cérebro esquece de se importar, mas meu coração não.

chorei porque estou viva e vi tudo o mais que também vive ao meu redor — há pessoas além das gravatas e saltos, de contracheques, contratos e mesas. atrás dos balcões, há pessoas maiores que seus “papéis”, e — droga! — eu deixei de ver.

doeu. depois de chorar por mim e por todo mundo, fui deitar sentindo vazio misturado com alívio, a tão familiar sensação da mudança se iniciando.

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  1. Zel, ler coisas como essas me emocionam prá caramba. Porque eu fico, toda romântica, imaginando um dia em que as relações, mesmo as profissionais, vão ser baseadas no fato de sermos, todos nós, “carne, osso e sentimento”, como diz Adriana Falcão. Adorei o post. Um beijo, tudo de bom e todos os sentimentos do mundo.

  2. Zel,

    Alguns posts seus, como este último, me deixam pasmado. E, cada vez mais, com a sensação de que eu queria muito que, um dia, você fosse minha aluna. Tem um palco te esperando em algum lugar por aí…

    Beijos e saudades.

    Zé Henrique (barítono sem madrigal)

  3. Sheila, ai amiga…

    Você deveria ser analista de pessoas e não de sistemas!

    Só que já imagino você ouvindo pessoas como eu, sofredoras incondicionais, e sentando a mão na cara como quem quer dizer “se liga ridícula, vai cortar grama” ou ainda mandando a pessoa plantar batatas na cara dura ao invés de ficar se lamentando por coisas ridículas…*hahahahaha*

    Adorei o post. Beijos

  4. eu que amo vocês todos, as coisas mais lindas do mundo 😀

    zé, c sabe que eu fui “atriz amadora” (se é que se pode dizer assim), dos 11-16? teatro infantil e depois teatro-cabeça… *hahahahha* meus pais me achavam estranha e meus irmãos também (mas a ké participava da fase teatro-infantil)

    gui, tiziamo também, e tou com saudade! falamos no findi.

    paulinha, c chega logo logo e eu vou te abraçar até destruir e entortar seu nariz novo-de-barbie!

    keké, você é a mais cínica — e a mais palhaça 😀 — da família

    renata, ainda vou escrever um livro sobre isso 🙂

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