nunca tive medo de escuro, mesmo quando pequena. sinto-me bem à noite, costumo andar pela casa sem acender luzes. aliás, acho um pouco de graça quando estou no escuro e as pessoas se apressam em acender luzes. os halls de prédios são particularmente curiosos: há sempre uma penumbra ou aquelas luzinhas do elevador, que são mais que suficientes para ver o necessário, mas as pessoas procuram desesperadamente as luzes, ficam inquietas com a falta de iluminação.
por outro lado, o silêncio me incomodava. gostava daquela sensação de barulho ao chegar em casa: TV ligada, cachorro latindo, pessoas falando ao mesmo tempo, uma algazarra que nunca cessava. nos momentos escuros da noite o que me incomodava era o silêncio, sentia-me um tanto desprotegida sem saber porquê.
mas o silêncio é fácil de quebrar: pode-se conversar, perguntar ou cantar. se não respondem, perguntamos de novo, trocamos de alvo, falamos com as paredes ou, hoje em dia, apelamos para o celular. sempre tem alguém que vai atender, a lista é grande. é fácil driblar o silêncio!
há alguns poucos anos, tive de enfrentar esse grande fantasma: o silêncio. por que falo tanto? por que escrevo? por que preciso de outros ouvindo ou falando o tempo todo? por que preciso, desesperadamente, me comunicar?
como quase tudo no meu universo interno, escolho vias extremas e se por um lado não tenho medo nenhum do escuro, por outro tinha pavor do silêncio.
o silêncio, pra mim, significava ninguém ou nada — a ausência de outros. percebi, lentamente, que quando não há outro, estou eu. existo, e jamais me dei ao trabalho de ouvir a mim mesma. abafei minha própria voz me dirigindo exclusivamente aos outros.
os primeiros silêncios foram difíceis como enfrentar o escuro, o desconhecido. mas da mesma forma que nossos olhos se acostumam à escuridão, nossos sentidos absorvem o silêncio e conseguem ouvir o que antes era abafado e esquecido. sussurros também foram feitos para serem ouvidos, mas não por quaisquer ouvidos; nosso coração (e o coração alheio) só sabe sussurrar. não é possível ouvir além das palavras se não houver silêncio absoluto.
é verdade que a descoberta do silêncio, assim como a do escuro, traz seus segredos e surpresas. os monstros que vemos e o terror que causam, no entanto, são fruto da ignorância a respeito do que nos é alheio. os peixes das profundezas abissais não são maus ou feios: eles simplesmente são. nós é que nos acostumamos com os peixes tropicais coloridos e assumimos que assim devem ser os peixes.
o mergulho no silêncio e nas sombras é, não sem motivo, umas das metáforas para o auto-conhecimento. ele não precisa ser necessariamente sofrido — basta que tenhamos humildade e curiosidade suficientes para olhar para o que não reconhecemos, apreciar a diferença, matar nosso narcisismo.
narciso, pensando bem, vivia ali na superfície, olhando somente o que se reflete. eu quero ver também o que se esconde.
Ninguém vai contar isso não?
Ó, tá vendo o que tu fez? ;P
Gostei muito das suas palavras. Concordo com elas. Para a gente se conhecer, tem que estar por vezes sozinha sim, pra se escutar melhor. Para não ser simplesmente levado pela multidão. Mas, também é importante escutar os outros, talvez o silêncio deles também, pois somente através de outros podemos nos enxergar completamente.