das referências cruzadas

o divertido de ir ficando mais velho é que a gente acumula um baita repertório; a desvantagem é que informação sem indexação não serve pra muita coisa e a gente acaba se transformando num oráculo com alzheimer. eu explico: já parou pra pensar o tanto que você já leu nessa vida? livros, revistas, jornais, blogs, colunas, bula de remédio, emails, bilhetes. e o quanto você já conversou, trocou idéias, ouviu pessoas, decorou piadas, letras de música, poesias, histórias, anedotas, ditados? e a TV e o cinema? quantos documentários, filmes, curtas, programas a gente já viu na vida? e as viagens? bem, isso pra não falar do que você pensou e concluiu sozinho, é claro.

minha formação inicial foi em tecnologia de computação, bastante foco em análise e programação (e era o que eu queria mesmo), apesar de sempre ter desejado ser historiadora. uma das vantagens de gostar de todas as matérias é poder escolher uma graduação sem muito sofrimento — apesar de querer ser historiadora eu sabia que esse era um caminho difícil. fui pelo caminho fácil: fiz um curso mais prático e com bom mercado de trabalho e depois fui cuidar do que desejava fazer de verdade. iniciei (e não terminei) o curso de graduação em história depois de 1 ano de formada em tecnologia, aproveitei tudo o que queria e desencanei do que não queria (as matérias de pedagogia, por exemplo) já que não precisava do diploma.

uma das coisas sensacionais de freqüentar um curso de história (pode ser verdade para as humanas em geral, mas não saberia dizer) foi perceber as informações por trás das simples letras e capas de livros. aprendi a pesquisar sobre os autores, a estabelecer relações entre textos, linhas de pensamento, aprendi a comparar. minha formação exata me ensinou muito bem a lógica matemática, o pensamento analítico, me ensinou a aprender o que quer que fosse; a formação humana me ensinou a pensar e tirar minhas próprias conclusões.

já li e vi um absurdo de informação nesses 34 anos, e é muito divertido ser surpreendida por uma conexão inesperada entre assuntos perdidos no meu banco de dados interno. não consigo deixar de me espantar e divertir quando, durante uma leitura ou reflexão, aparece uma informação sabe deus de onde que se encaixa perfeitamente com o que estou lendo ou pensando neste momento. parece mágica, o coelho saindo da cartola!

estou nesse momento lendo um livro sobre tarot (assunto que tem me interessado ultimamente) que traz algumas informações sobre a formação do cristianismo e de como várias culturas antigas foram absorvidas pela nova religião e eu lembro de um livro muito bom que li há anos, heresia. sei lá onde anda esse livro (acho que doei, vendi, sei lá), mas a informação continua aqui na minha cabeça.

aí é que vem a angústia do oráculo com alzheimer: por que diabos eu não consigo lembrar desse monte de informação que está bem aqui na minha cabecinha quando eu mais preciso? fica tudo ali armazenado e perdido e só às vezes eu tenho essa sensação mágica das informações sendo organizadas dentro das caixinhas corretas. minha vertente analítica passa mal com essa falta de organização e eu fico com vontade de estudar tudo de novo com a vivência que eu tenho hoje. às vezes (juro) tenho vontade de voltar a estudar matemática do zero, desde as contas de mais e menos, passando pelas frações, equações, tudo tudo de novo. e química, que eu sou um zero à esquerda? será que voltando aos ensinamentos da época de ginásio e colegial eu não consigo finalmente encontrar as caixinhas certas pra armazenar as coisas todas?

eu leria poesias muito melhor hoje que há 10 anos; ah, como seria diferente ler o nome da rosa agora! sei que aquelas aulas de teoria das linguagens que tive no curso de tecnologia seriam muito melhor aproveitadas se eu já tivesse estudado a bíblia.

estou relendo a série duna, do frank herbert, e não deixo de me espantar com a quantidade de alertas-referência-cruzada eu recebo a cada página. estou com dificuldade de avançar na leitura, porque é tanta informação relacionada a religião, política, filosofia e ciências que eu preciso parar de ler e ficar pensando. isso pra um devorador de livros como eu sempre fui é um martírio!

a verdade (e isso tem se repetido irritantemente nos últimos tempos) é que amadureci e, exatamente por isso, não é possível fazer quase nada com a mesma rapidez de antes. não é exatamente uma questão de limitação causada pela idade, mas uma desaceleração inevitável causada pela grande quantidade de informação e possibilidades de reflexão. aliás, venho achando que a prática da reflexão é um presente que só vem com a idade e com o tempo. não me lembro de já ter parado de ler um romance porque precisava pensar mais sobre aquilo. definitivamente, envelheci.

0 comments to “das referências cruzadas”
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  1. é, Zel, tenho me debatido com essa exata questão, um pouco, e com a ansiedade do hiperlink do pensamento. Tudo me remete a outra coisa, que me remete à outra coisa. Ainda penso que o melhor é não saber, que conhecimento é uma coisa grande demais pra um ser humano, e quanto mais a gente vive, sabe, lê, aprende, pior fica de fazer as coisas práticas da vida. Não nasci pra Ciclope…

  2. Ahhhh…então desse mal eu não sofro! Leio muito mais hoje do que em anos anteriores, o que signigica que não há nada guardado lá no fundinho (deve ter só areia e água do mar). Aliás eu estou tentando recuperar o tempo perdido e lotar a winchester depois dos 30…hahaha

  3. Zel,

    Tb fico pensando nas matérias da escola que poderia estudar agora (química inclusive, que eu odiava). E daí eu me pego usando algum daqueles conceitos ou a lógica por trás deles e pensando que aquilo tudo realmente serve para alguma coisa.

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