hoje é aniversário do meu irmão que, segundo minha mãe, adotou nos seus documentos espanhóis o nome que inventamos pra ele: kito. desde sempre ele nos ouviu (eu e minha irmã, as duas mais velhas) o chamarem por kito e quando perguntavam seu nome ele dizia “kito”. não é bom poder adotar o nome pelo qual você se reconhece e não aquele do pedaço de papel?
ele faz 32 anos e isso é muito estranho porque é a idade do fer também, mas o fer é meu marido e adulto e o kito é meu irmão e … ai, ele é criança! eu não consigo pensar no meu irmão pai, profissional, nada. só consigo pensar nele como aquele moleque maldito que quebrava tudo o que caía nas suas mãos. ele quebrava nossos presentes ainda na noite de natal e não havia uma refeição que ele não derrubasse o copo (cheio, claro). era um menino terrivelmente inquieto, encrenqueiro, engraçado, animado.
o que eu mais me lembro é dele com cabelo loirinho de tigela e cara de “aprontei alguma” o tempo todo. nós brigávamos feito gato e cachorro; minha irmã se dividia entre os dois, era o elemento neutro ou da discórdia, dependia do dia. uma ocasião ele ficou trancado no banheiro de manhã até de noite, quando minha mãe chegou, pois eu estava com uma vassoura do lado de fora esperando ele sair pra socar na cabeça dele. eu e minha irmã colocamos fogo no cabelo dele (sem querer). em resumo, nossa relação era muito boa 🙂
o início da nossa adolescência foi muito bom — andávamos os 3 na mesma turma, éramos amigos. quando começamos a crescer a coisa ficou difícil: eu não conseguia entender porque tudo era tão complicado pra ele, porque ele não se enquadrava, como todo mundo fazia. tomamos caminhos divergentes, ele se tornou um jovem revoltado, agressivo, inconformado. minha irmã cuidava da vida dela e eu cuidava da minha. muitos anos se passaram e criou-se um afastamento silencioso, sem brigas mas também sem diálogo. convivíamos quando a família se encontrava, jogamos todos os medos, problemas, afetos e desafetos pra baixo do tapete.
não lembro qual foi o ano, mas foi no natal. acho que resolvi escrever pra ele um bilhete e, já não sei mais porquê, disse que sentia falta dele, da nossa amizade, da presença. lembrei do quanto eu amava aquele cabeça de melão, o quanto ele sempre me fez rir. percebi como ele, tão diferente, era importante pra mim. a verdade é que percebi isso sobre minha irmã e sobre meus pais também, mas estou falando só dele agora. acho que pela primeira vez na vida disse que eu o amava, que ele era meu irmão querido e que queria estar mais presente na sua vida.
nunca vou esquecer esse dia, porque ele leu meu bilhete e me abraçou. ele ficou emocionado, chorou e eu pude ver alívio também naquele homem-crianção. eu sou sua irmã mais velha e hoje sei que o que penso e sinto é importante pra ele. fiquei triste por ter demorado a perceber tudo isso mas fiquei feliz porque percebi.
não deixamos de ter nossas diferenças desde então, mas o amor e esse sentimento de fraternidade é maior que qualquer diferença. ele me respeita, me ouve; eu o escuto, procuro entendê-lo, ajudá-lo, apoiá-lo. não concordo com tudo o que ele faz e principalmente não entendo algumas dessas coisas, mas isso não me impede de amá-lo e oferecer minha mão.
hoje ele mora longe, na espanha (nem sei em qual cidade está agora), e nos falamos mais do que na época em que morávamos na mesma casa. rimos, brincamos, damos risada e conversamos sobre coisas sérias. sinto a falta dele e lembro das suas histórias bizarras. sei que ele está feliz, sei que ele às vezes fica triste como todos nós, mas principalmente sei que ele pode contar comigo pra qualquer coisa que precisar. aceitar meu irmão como ele é foi um dos grandes passos da minha vida adulta e ele, mesmo sem saber, me ensinou muito.
hoje é o dia dele, taurino cabeça-dura (pleonasmo, não? :D), picareta sem-vergonha e com coração de manteiga. te amo, brô 🙂
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a mim ensinou-me tudo.
ensinou-me a olhar para as cousas,
aponta-me todas as cousas que há nas flores.
mostra-me como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão
e olha devagar para elas.
(fernando pessoa/alberto caieiro)
peguei aqui no paulo.
Eu sei que não é tão raro, mas você me faz chorar com qualquer coisa! FEIA!