fui ontem assistir ao concerto do audi coelum, grupo de voz e instrumentos do qual o gui faz parte. fui apesar da preguiça e da inércia, e entendi que nunca tomamos ações sem motivo. o concerto foi lindíssimo, como eu já esperava, mas não, eu não esperava a quantidade de emoção que o barulho da orquestra afinando me trouxe, não esperava ficar emocionada e quase às lágrimas com a beleza dos cânticos religiosos. não consegui deixar de agradecer a alguma coisa por não endurecer, não acostumar, por me importar e ainda me sentir tão profundamente tocada pela música tocada e cantada ali, pra mim.
**
três músicas para o felipe b:
in a sentimental mood (i. mills, d. ellington, m. kurtz) por john coltrane e duke ellington
my little brown book (billy strayhorn) por john coltrane e duke ellington
‘round midnight (williams/monk/hanighen) por miles davis
**
nesta semana conheci um senhor cujo nome não sei mas que já faz parte da minha vida e da minha história. ele me contou um pouco da sua vida, das suas dificuldades, dos seus problemas e mal sabe que abriu algumas janelas em mim, que ensolarou vários cômodos que andavam um tanto sombrios.
ele me contou que, há dois anos, chegou a uma concessionária de carros usados e quis comprar seu táxi. não tinha nenhum dinheiro, mas (como ele mesmo disse), tinha seu nome e sua história de honestidade — jamais deveu pra alguém e não pagou, sempre fez questão de ser correto. ao chegar à loja, disse que precisava comprar um táxi pra alimentar sua família (que estava naquele exato dia sem nada na geladeira) e que contava com um financiamento. o dono da loja explicou que a financiadora assumia 80% e que ele teria que ter os 20% (que ele não tinha). o dono da loja simpatizou com o senhor e fez um levantamento da sua ficha, que era perfeita, limpa. decidiu então que se a financiadora não cobrisse os 20% adicionais ele o faria, assumiria o risco dos 20%. a financiadora, com a recomendação do dono da loja, topou financiar os 20% e nosso amigo na mesma noite saiu com seu táxi. no dia seguinte pela manhã ele regularizou a situação e iniciou seu primeiro dia de trabalho. disse que trabalhou o dia todo e, à noite, passou num supermercado 24h e comprou arroz e ovo, levou até sua casa pra garantir o jantar e voltou a trabalhar. ele me diz que jamais se sentiu tão feliz em toda sua vida.
ele, sua esposa e 2 filhos adolescentes moram numa quitinete na santa cecília, pois é o que podem pagar. “prefiro isso a morar numa casa maior na periferia”, diz. “aqui no centro os meninos vivem melhor, é menos perigoso”. eu concordo. o menino dele de 16 anos acabou de conseguir um emprego de garçon. tem registro em carteira e comprou sua primeira roupa de garçon, cheio de orgulho. diz que veste a roupa em casa e caçoa da irmã que ainda não tem emprego. com seu primeiro salário, quis comprar presente de dia das mães. o pai não deixou, falou pro menino gastar em roupas novas pra ele mesmo. a menina ainda não tem emprego, mas o pai lhe dá 10 reais pra que ela vá até aquela tal de lan house pra fazer seu curriculum.
no fim da história ele diz “moça, somos uma família feliz” e dá pra ouvir a felicidade na sua voz, nem precisava me dizer. eu sorrio do banco de trás do táxi e limpo minhas lágrimas disfarçadamente. ao sair, digo que ele é muito simpático e que desejo tudo de melhor para ele e sua família, de coração. mas saí do seu táxi sem dizer o quanto sou grata por, sem querer, me fazer ver o que realmente é importante na minha própria vida.
Puxa, Zel, cê me emocionou mesmo. Que bom que ainda existe gente que para um minuto pra ver o que tem de importante na vida. Eu sei bem o que é não ter nem arroz e ovo em casa, e como é raro uma pessoa te dar uma oportunidade, confiar em alguém que não tem nada, ajudar o próximo (o famoso próximo, personagem mitológico que não existe para a maioria das pessoas) sem ganhar nada, por pura bondade.
Eu tive que ver, com 12 anos de idade, minha mãe grávida, com a barriga pela boca, trabalhando com os pés dentro da água da chuva, Zel. Eu sei o que é não ter luz elétrica por não poder pagar a conta. Eu passei a pão e água, porque não tinha outra coisa para comer. Eu sei o que é não saber se você, sua mãe sozinha e seus irmãos (umas crianças) vão ter onde morar amanhã. E não estou dizendo isso pra que alguém fique com pena, não. Nós sempre fomos dignos e unidos, e conseguimos seguir em frente graças a isso. Estou dizendo isso porque vejo muita gente se queixando por besteiras e coisas secundárias, inventando problemas, sem perceber o que é importante e fundamental. Gente que tem tudo, e chora porque não tem um vestido novinho pra o casamento da prima que detesta. Gente que tem tudo, e perde tempo se lamentando. Gente que não sabe viver. Eu sempre mantenho em mente o que é verdadeiramente importante: casa, comida, abrigo, AMOR, FAMILIA. Aí é que está a felicidade. “Count your blessings”, e você será feliz. Pelo menos isso é o que eu acredito.
Um beijo.
querida, acho que só quem passou por alguma coisa parecida sabe do que eu falo nesse post. pra algumas pessoas que nunca precisaram de ajuda e nem de nada na vida pode até parecer bobo. há também os que precisaram e precisam mas não percebem, mas não faz mal: sempre vai haver uma pessoa, como você, que vai se sentir tocada também por essas coisas pequenas e importantes. isso vale mais que anos de terapia, que remédio pra cabeça 🙂 obrigada pelo recado!
belo post!
comoveu de arrancar arrepio da espinha…
e deixar o braço assim arrepiado como se tivesse passado um anjo aqui do lado.
tudo de muito bom pra voce
🙂
Linda, linda história.
Linda história de vida não?!
Tenho certeza que ele dorme todas as noites o sono dos justos tranquilamente.
Precisamos de exemplos assim, honestidade, honradez, caráter e ética tem de ser ordem do dia, não coisas que as pessoas não dão valor.
oi, linda, tou aqui não-lembrando de tudinho, realmente… 😉
(e sim, a trilha foi uma delícia)
que bom que lembrou 🙂
Vem cantar com a gente, porra! 😀