porque há dias e dias…

… e hoje foi um dia bom.

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sei que vai parecer a coisa mais estranha, mas iniciei o dia hoje com uma missa católica (infelizmente não numa igreja). consegui abstrair a insistente figura de jesus em assuntos espirituais — sou só eu que me incomodo com deus ter que tomar forma humana para ser reconhecido entre nós? e o famoso “ele está no meio de nós”? aqui no meio de mim não tem ninguém não, com licença… — e ouvir ao que está por trás da eucaristia. gente, é bonito pra caramba.

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não, não é à toa que há 3 ou 4 dias leio e escuto sem parar este cd com poemas da adélia prado. ela é religiosa, e eu acho lindo ser religioso. além do mais ela é católica, o que é tão tipicamente feminino (um dia falo mais disso, não hoje) que não consigo deixar de sentir uma pontinha de inveja dessa mulher incrível.

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ouça aqui o trecho transcrito abaixo (as marcações de pontuação e divisão em linhas são minhas, colocadas enquanto ouvia. podem estar erradas)

“na tarde clara de um domingo quente

surpreendi-me: intestinos urgentes, ânsia de vômito

choro, desejo de raspar a cabeça,

e me pôr nua no centro da minha vida

e uivar até me secarem os ossos

que queres que eu faça, deus?

quando parei de chorar,

o homem que me aguardava disse-me:

“você é muito sensível, por isso tem falta de ar”

chorei de novo porque era verdade

e era também mentira

sendo só meio consolo

“respira fundo”, insistiu, “joga água fria no rosto

vamos dar uma volta, é psicológico”

que ex-voto levo a aparecida,

se não tenho doença e só lhe peço a cura?

minha amiga devota se tornou budista

torço para que se desiluda

e volte a rezar comigo as orações católicas

eu nunca ia ser budista

o medo de não sofrer, o medo de ficar zen

existe santo alegre?

ou são os biógrafos que os põem assim felizes,

como bobos?

minas tem coisas terríveis

a serra da piedade me transtorna

em meio a tanta rocha de tão imediata beleza

edificações geridas pelo inferno

pelo descriador do mundo

o menino não consegue mais: vai morrer

sem forças para sugar a corda de carne preta

do que seria um seio, agora às moscas

meu coração é bom, mas não aceita que o seja

o homem me presenteia

por que tanto recebo quando seria justo

mandarem-me à solitária?

palavras não, eu disse, eu só aceito chorar.

por que então limpei os olhos

quando avistei roseiras

e mais o que não queria,

de jeito nenhum queria aquela hora,

o poema, meu ex-voto

não a forma do que é doente

mas do que é são em mim

e rejeito e rejeito

premida pela mesma força

do que trabalha contra a beleza das rochas

me imploram amor

deus e o mundo

sou pois mais rica que os dois

só eu posso dizer à pedra “és bela até a aflição”

o mesmo que dizer a ele “sois belo, belo, sois belo”

quase entendo a razão da minha falta de ar

ao escolher palavras com que narrar minha angústia

eu já respiro melhor

a uns deus os quer doentes

a outros quer escrevendo”

(ex-voto, no cd o tom de adélia prado)

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e para as horas em que é difícil entender o que se sente, procuro sempre o mesmo livro-oráculo: a descoberta do mundo. basta abrir em qualquer página, a esmo, e ler. sinto-me reconfortada como quando tomo sopa ou café com leite.

UM DEGRAU ACIMA: O SILÊNCIO

até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. como é infinitamente mais ambicioso. é quase inalcançável.

(pág. 414, a descoberta do mundo)

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  1. Amor, até dando receita de chantilly você (quando quer) é divertida. Já percebeu que agora não se diz mais “como você é engraçado(a)”, parece que consideram grosseiro. Mas digo “engraçado(a)” para o que tem graça, o que dá graça à vida. Você é assim. Beijo.

    Adélia é tudo!

  2. gabis, meu lindo, eu AMO ser engraçada, c sabe. eu super-se-esforço, inclusive, mas nem sempre rola 😀

    ai, gabis, adélia é minha ídala. eu quero ser como ela a partir dos quarenta (que aliás, se aproximam vertiginosamente…)

    te amo!

  3. Personagem de Calvino chamado Ireneo mora numa universidade. Desses que lutam contra tudo o que é imposto. Por muito tempo, treinou, treinou, até aprender a *não-ler*. Conta que é mais difícil aprender a não-ler do que a ler, os cartazes espalhados por todos os lados chamam, a leitura vira impulso. Mesmo sem ler (ou por *não-ler*) ele era mais informado sobre o que ocorria nos corredores e salas da universidade do que muitos leitores de paredes.

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