sua mãe e eu
seu irmão e eu
e a mãe do seu irmão
minha mãe e eu
meus irmãos e eu
e os pais da sua mãe
e a irmã da sua mãe
lhe damos as boas-vindas
boas-vindas, boas-vindas
venha conhecer a vida
eu digo que ela é gostosa
tem o sol e tem a lua
tem o medo e tem a rosa
eu digo que ela é gostosa
tem a noite e tem o dia
a poesia e tem a prosa
eu digo que ela é gostosa
tem a morte e tem o amor
e tem o mote e tem a glosa
eu digo que ela é gostosa
(boas vindas, caetano veloso)
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tenho uma relação curiosa com a morte: eu finjo que ela não existe. ignoro, solenemente, que ela faz parte da vida e que virá com certeza absoluta para todos. mesmo quando ela chega e não dá pra negar que não chegou (já perdi pessoas próximas) se estabelece uma relação fria e distante; sinto seu impacto mas me fecho no meu mundo de suposições (o que acontecerá depois?) e lembranças (trago de volta tudo o que me lembro daquele que se foi). choro ou sinto, somente, e deixo pra pensar nisso outro dia, aquele que nunca chega.
sempre achei que quando se morre acaba tudo: do pó ao pó, ponto final. desde o dia 21 de setembro de 2005 eu parei de pensar, simplesmente senti de outro jeito, algo mudou em mim. lembrei, nesse mesmo dia, de um sonho particularmente intrigante — sonhei que morria. foi de tiro (dado por alguém que de fato me matou um pouco na vida “real”). morri e fui embora pra uma nova cidade, mais bonita que qualquer outra que eu tenha conhecido. notei que era tudo bonito, limpo e silencioso. o pastel (meu furão que morreu em 2002) me esperava, cheio de amigos, na nossa casa (eu já tinha uma casa lá do outro lado, vejam vocês). e o pixel me acompanhou pra esse outro lado, embora ainda estivesse vivo. uma prova de amor além do que eu achava possível.
o que mais me preocupou durante o sonho era dizer pra minha mãe que eu estava bem, que ela ficasse tranqüila. demorei a entender que bastava sentir, pensar, e ela me entenderia (eu insistia em falar com ela, que não me ouvia). senti, pensei, e ela entendeu. sentei numa praça linda, com os furões, e ali era meu novo lar.
não há nenhuma explicação que eu possa dar a respeito disso que passei a sentir: que há mais. mas tudo bem, não precisa; não importa que ninguém entenda, nem eu mesma. não faz mal que ninguém mais acredite. essa é a grande força e beleza da fé, ela é mais forte que o intelecto e que as palavras, ela simplesmente é.
mas eu falava sobre a morte e como ela me pega de jeito e quando percebi já falava de fé! não é à toa que comecei esse post com a música de boas-vindas a quem nasce: não faz parte do mesmo processo, nascer e morrer? os dois grandes momentos da nossa passagem pelo que chamamos vida. o restante é isso aqui, cada segundo que passa. é o que fazemos e deixamos de fazer, são as escolhas em cada preciso segundo.
haja ou não minha cidade com praças e furões, não importa: escolho o lado brilhante e doce da vida, a cada instante, só por precaução. (afinal, e se não houver mais nada além dessas escolhas?) às vezes deslizo e fico escondida na sombra, é verdade, mas essa é só mais uma forma de ver a luz — de longe, de fora. ela é bonita vista daí também, e ilumina umas partes que a gente não vê todo dia.
desejo ardentemente que a vida seja uma grande ópera de mozart! que além do abrir das cortinas (o nascimento), do desenrolar da história e do grand finale (a morte), haja também tudo o que acontece nos ensaios, nas coxias, na platéia e nos camarins. todo um mundo de coisas que temos para desfrutar e nem começamos a perceber.
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conheci a meg muito superficialmente através de links e algumas poucas leituras. descobri hoje, pra meu espanto, que numa entrevista sobre blogs ela diz que deve em parte a mim sua notoriedade nesse pequeno blog-mundo — o que não é verdade, ela tem e sempre teve seus leitores mais que cativos. pura modéstia!
pra quem não sabe, ela se foi no último sábado, depois de enfrentar por vários anos uma doença fatal e há vários amigos de blog que estão manifestando seus sentimentos e dizendo adeus, cada um a seu modo.
não gosto de dizer adeus (é a história da negação). e, não havendo uma amizade de fato, me sentiria forçando a barra ao dedicar este post justamente à sua morte, mas de novo a morte me pegou de jeito… a verdade é que foi seu grand finale que me fez escrever esse post, afinal, então fica aqui esse pequeno pedaço de mim pra ela, com desejos de um camarim cheio de flores e bilhetes dos muitos fãs ao final de uma longa temporada. muita sorte na nova casa!
Também li algumas manifestações de pesar pela partida da Meg. Eu não a conhecia, mas não posso deixar de me sentir incomodado. Como diz o Millor, morrer é muito chato; é coisa que se deve deixar para a última hora.
Adoro o jeito que você descreve as coisas, acontecimentos, sentimentos etc, etc. É lindo!!! Por várias vezes pensei em “roubar” partes de suas palavras para demonstrar o que estou sentindo. Mas nunco o fiz. Beijo Camila