ponto de inflexão

e eis que algo muda, de forma definitiva: é o tempo que passou. eu não tinha me dado conta, mas entrei numa fase da vida de começar a perder pessoas. até então era como se as pessoas que conheci fossem estar sempre ali, ao alcance de um telefonema ou email.

quando a gente é muito jovem a morte é como uma lenda, uma coisa que acontece com os outros. quando ela acontece com pessoas muito mais velhas que nós, por mais que seja chocante e às vezes doído, é de certa forma esperado. os velhos morrem, certo? quando acontece com jovens, é uma tragédia, e ela é maior que a morte. o choque é tão grande que embaça o fato mais puro e simples: todos vamos morrer, cedo ou tarde, de um motivo ou de outro. na juventude, a morte é um conceito, somente.

mas chega a hora da morte se tornar algo concreto e certo. e não tem mais pra onde fugir, nem pai e mãe pra perguntar “por quê?”, até porque também sobre eles paira essa sombra, aquela-que-não-nomeamos. e essa hora chegou pra mim, amigos.

o alê foi certamente o estopim dessa mudança de percepção, muito embora eu ainda não tenha de fato concretizado sua morte (ah, deus, falei). são quase 6 meses e ainda parece que tudo aquilo foi um sonho estranho.

neste sábado morreu uma mulher muito legal, muito doce, a lígia. ela não era minha amiga, nos conhecemos muito rapidamente, mas não importa. eu soube pela fal, que era muito amiga dela e deus sabe o que deve estar sentindo agora. perder o marido e uma amiga no período de 6 meses não é justo, é uma merda. e isso faz parte da revelação: o mundo não é justo.

me dei conta, subitamente, que as pessoas morrerão, todas elas, inclusive as que eu amo; inclusive eu. parece óbvio, eu sei, mas eu nunca encarei essa idéia de frente. e percebi ao mesmo tempo que simplesmente não há justiça no quando, onde e quem. dado esse cenário, o que fazer?

cheguei ao ponto da vida em que tudo pode acontecer, não há mais a juventude me protegendo do medo da morte; e ela não pode mais ser essa vilã absoluta! como viver feliz com a idéia da morte pairando o tempo todo? aliás, a pergunta mais importante é como ser feliz, porque da morte não tem como fugir.

a morte da lígia me balançou; podia ser eu. podia ser qualquer das pessoas que eu mais amo na vida. o que posso fazer pra conseguir ser feliz enquanto estou aqui e lidar com a morte sem sofrer tanto?

não tenho ainda resposta pra toda a questão, mas antes mesmo desse novo choque já tinha decidido levar uma vida melhor e mais feliz. acho que tomei a decisão certa: viver melhor, mais tranquila, mais perto da natureza; comer melhor, cuidar mais da minha saúde; ser mais feliz. me concentrar no que tenho aqui e agora, e só.

não tenho solução, no entanto, para amenizar a tristeza da perda e lidar com a sensação de injustiça. preciso de uma religião, urgente.

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  1. Zel, passei muitos anos da minha vida ouvindo minha avó dizer que sentia muita saudade. Quando eu lhe perguntava do que ou de quem, ela simplesmente me respondia: de tudo…

    Hoje entendo perfeitamente o que ela quer dizer.

    Estar vivo é uma coisa muito solitária e a gente descobre isso a duras penas mesmo.

    Beijo.

  2. É assim: a tristeza nao diminui, amansa. A revolta nao vai embora, vira intermitente. A vida segue e a gente aprende a ter saudade do que foi e do que nao foi, e deixa o outro partir com respeito.

    Aprendi essa licao a duras penas, ainda crianca, mas sei q nao vai ajudar muito. Pra ajudar, só tem uma coisa: abraco no silêncio e liberdade de falar no assunto sempre q quiser.

    abraco

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