restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.
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esse poema (no link abaixo tem ele completo) me marcou quando eu era ainda criança. não é curioso explorar tanto o que é distante ou inacessível e esquecer do que está logo aqui ao lado? é curioso e sintomático: é difícil conviver de verdade, é difícil se aproximar de outras pessoas com profundidade.
relações superficiais são fáceis. e por mais que eu ache mesmo que essa mídia (a internet, aqui onde estou agora) é sensacional para ampliar os relacionamentos e melhorar a vida, também acho que ela amplifica a superficialidade. email, blog, orkut, flickr, twitter são divertidos e nos fazem ter a impressão de um milhão de amigos, mil programas, agenda cheia, uau! parece que a comunicação horizontal (superfície) se amplia e a vertical (profundidade) diminui cada vez mais. até porque com um milhão de amigos não temos tempo pra sentar com um deles e conversar por uma ou duas horas…
experimento e testo tudo o que a tecnologia me oferece, mas venho me colocando na contramão de forma consciente. a cada dia corto um pouco mais das superficialidades, talvez de forma radical demais, confesso, mas com um propósito. tento conviver além das mensagens de texto com limites, além da premeditação do email, além da coleção de amigos do orkut. e bem além dos updates dos twitters da vida.
não descarto a chance de estar cega nesta busca pela essência da vida e dos relacionamentos, mas enxergo esses mecanismos como instrumentos meramente práticos. ganhamos montes de novas formas de comunicação, somos mais rápidos e mais produtivos, ampliamos nosso leque de possibilidades de relacionamento. no entanto, tenho tido dúvidas sobre o ganho de conteúdo e evolução humana através do uso de tantos recursos. o que exatamente estamos ganhando?
posso estar enganada ou procurando nos lugares errados, mas o que leio sendo compartilhado por aí é vazio. parece que as pessoas estão ficando cada vez mais antenadas com tudo que se passa e, em contrapartida, pensam cada vez menos. quem tem tempo pra refletir ou criar com tanto email, scrap ou twitter pra ler e tanto update em ‘n’ ferramentas pra fazer? além de trabalhar, estudar e/ou cuidar da vida.
eu prezo o pensamento, a reflexão, faço exercícios diários, questiono a realidade e as opiniões (minhas, alheias). no meio internético, o que mais me provoca a pensar são alguns blogs pessoais, os que questionam as tramas mais básicas e simples da vida, do cotidiano. não todos, claro, há os que são simplesmente diários de fiz-isso-comprei-aquilo ou são tão herméticos que não convidam ao diálogo. mas há os que compartilham pensamentos e dúvidas, como quando sentamos pro café e dividimos um pouco dos nossos pensamentos. falamos e ouvimos, vivemos juntos nossas experiências.
é aí, pra mim, que está o conviver do poema do drummond. não é simplesmente contar que fui à quitanda ou que estou com dor de cabeça, convidar para a balada ou dar opinião sobre a política externa. é dividir com o outro o que sente e pensa, com espaço aberto para a dúvida, a pergunta, o dilema. quantos blogs, orkuts e twitters que eu leio proporcionam de fato uma troca com recompensa? há alguns blogs, e poucos. por isso mesmo venho procurando aproveitar melhor meu tempo online. alguns minutos de MSN com algumas poucas pessoas às vezes me acrescentam mais que 1 hora de leitura de blogs.
pensar, pelo jeito, está se tornando obsoleto. até porque é atividade individual e demanda tempo. temo que nesta era do coletivo e do bordão “o dia devia ter mais de 24h”, os filósofos vão se extinguir.
(o poema completo segue abaixo)
o homem, bicho da terra tão pequeno
chateia-se na terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a lua
desce cauteloso na lua
pisa na lua
planta bandeirola na lua
experimenta a lua
coloniza a lua
civiliza a lua
humaniza a lua.
lua humanizada: tão igual à terra.
o homem chateia-se na lua.
vamos para marte — ordena a suas máquinas.
elas obedecem, o homem desce em marte
pisa em marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza marte com engenho e arte.
marte humanizado, que lugar quadrado.
vamos a outra parte?
claro — diz o engenho
sofisticado e dócil.
vamos a vênus.
o homem põe o pé em vênus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.
o homem funde a cuca se não for a júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
outros planetas restam para outras colônias.
o espaço todo vira terra-a-terra.
o homem chega ao sol ou dá uma volta
só para tever?
não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no sol.
põe o pé e:
mas que chato é o sol, falso touro
espanhol domado.
restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.
(o homem, as viagens – carlos drummond de andrade)