elogio ao radicalismo

ainda não cheguei a nenhuma conclusão em relação à questão que coloquei aqui – por que ser ou não vegetariano? o assunto não morreu, continua vivo e chutando aqui na cachola. sigo buscando informação e minhas próprias motivações, pra ter certeza que quaisquer mudanças nos meus hábitos alimentares sejam conscientes e não fruto de um desejo de me destacar dos demais humanos cruéis e desperdiçadores (cada vez mais acho que a auto-imposição de restrições alimentares é uma forma sutil de se diferenciar dos demais, mas isso é assunto pra outro post).

a denize me indicou o blog brazil nut para receitas veganas, já avisando do tom um tanto radical do texto. achei as receitas fracas – é possível ser bem mais criativo usando os ingredientes veganos, eu mesma faço receitas veganas melhores – e o tom é mesmo bem radical e me incomodou. e exatamente por isso eu continuo acompanhando o blog (que é bom): é importante ser incomodado, é isso que nos faz sair do conforto dos nossos lugares quentinhos.

ontem no almoço o assunto foie gras apareceu e eu comentei que adorava essa iguaria, mas me recusava a comprar e a comer, por causa da crueldade praticada com os animais para sua obtenção. hoje, coincidentemente, o post do brazil nut é exatamente sobre o assunto. recomendo que todo mundo leia, principalmente porque foie gras é um alimento 100% desnecessário (apesar de delicioso) – é puro luxo, às custas de um tratamento horroroso para os bichos.

só que quando paro pra pensar nesse assunto, dói. o quanto um bife ou uma costela de porco são realmente necessários na minha vida? eu poderia facilmente viver sem eles. então por que submeter um animal ao confinamento e à morte prematura pra que eu possa ter alguns momentos de prazer? às vezes parece fútil demais, desnecessário.

vejam que nem estou discutindo se os animais em questão sofrem ou não no confinamento e na morte; isso é outro problema, complicadíssimo. a começar pela pergunta “o que é sofrer?”.

e antes que eu me perca e fique só no assunto do animal que é confinado e morre pra eu ter bife no prato ou sapato no pé, vou a outras questões – e os zoológicos? há quem defenda que “isso é melhor para os bichos que viver na floresta, no zoo eles são cuidados”. really? e manter alguém trancado num apartamento, sendo cuidado, é melhor que deixar que seja livre e se aventure pelos perigos da cidade? a pessoa poderia morrer de bala perdida, de atropelamento, de susto. a verdade é que os bichos são mantidos em zoos pra que possamos vê-los, é tão-somente uma forma de diversão pra nós.

assim como os animais domésticos, convenhamos. por que criar animais de estimação, senão para nosso conforto (no caso de animais que trabalham) ou para o nosso prazer? eles são bens de consumo, como qualquer outro. bem tratados e alimentados, às vezes, mas ainda assim bens de consumo. senão por que comprar animais “de raça” ao invés de cuidar dos que estão abandonados e precisando de apoio?

e quanto aos animais mantidos em gaiolas, submetidos a testes de remédios e cosméticos? como aceitamos tão sem culpa comprar cremes ou xampus que para serem criados submetem animais indefesos a testes (principalmente quando existe a opção de produtos que não são testados em animais)? quanto aos remédios, entendo que são essenciais para melhorar nossa qualidade de vida, mas acho que nossas cobaias deviam ser humanos dispostos a se submeter. que fosse pelo bem da ciência ou por dinheiro, não importa, mas que as cobaias fossem usadas por sua vontade. escravizar animais para testar produtos pode ser até “necessário” mas é absurdo e cruel.

cada sanduíche, xampu ou remédio, cada produto que eu consumo, o quanto existe de sofrimento por trás deles todos? onde afinal estou gastando meu dinheiro? será que compensa?

são perguntas horrorosas, se você realmente estiver disposto a pensar sobre elas. o que eu tenho feito, por enquanto, é tentado rever todas as pequenas coisas que eu faço e consumo, analisando o que eu poderia fazer diferente. vocês não têm idéia da quantidade de coisas que podem ser mudadas só dentro de um pequenino universo de consumo e ação como o meu.

tenho comprado quase tudo origem orgânica, dentro da pouca variedade que existe: produtos de limpeza, verduras, legumes, frutas, frango, carne, grãos, açúcar, café, chá, farinhas. ainda não me tornei radical, mas já deixo de comprar ovos, frango, carne e legumes/verduras não orgânicos. o restante, como é mais difícil, faço o que posso. mas meu ideal é, em alguns meses, simplesmente não comprar quando não houver a opção orgânica.

(para saber mais sobre o que é produção orgânica, leia aqui – não tem a ver só com ausência de agrotóxicos!)

há alguns anos procuro consumir menos água, eletricidade e combustível. é muito difícil, sim, mas aos poucos a gente acostuma e pensa duas vezes antes de ficar 1h no banho ou ir até a esquina de carro. estou longe ainda do que desejo, mas vou caminhando.

há 5 anos tenho separado religiosamente meu lixo e nunca deixo de me espantar com a quantidade de lixo reciclável que somente 2 pessoas na casa produzem. incentivo todo mundo ao meu redor a reciclar, economizar, reaproveitar. já vi algumas mudanças e me orgulho disso.

não sei ainda o que será da minha alimentação ou dos meus hábitos de consumo nos próximos anos, mas tenho certeza que serão diferentes, pautados pelo respeito aos animais e pelo ambiente ao meu redor. e muita calma com esse papo de “mundo globalizado” – quero dar preferência à produção local, do meu vizinho que planta figos e laranjas e vive disso. parei de comprar importados e enlatados cheios de conservantes, chega.

sim, leitor amigo, sua impressão está correta – eu tenho mais perguntas e dúvidas que respostas. tenho ideais e desejos de melhorar, mas ainda como aquela deliciosa picanha na chapa no boteco sem lembrar de tudo o que aconteceu até aquele pedaço de bife chegar ao meu prato. e quando lembro, jogo a culpa pro canto e peço mais um chopp.

por isso agradeço aos radicais que tanto me incomodam dia sim, dia não – graças a eles eu certamente me tornarei uma pessoa melhor, ainda que diferente do que eles defendem.

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  1. Zel, apesar de vc mesma dizer que ainda tem mais perguntas que resposta acredito que o caminho que vc está direcionando sua maneira de pensar é o ideal. Não sei se já disse isso mas a virtude está no meio. Eu pelo menos acredito nisto. E tudo que pudermos fazer para melhorar o ambiente que nos cerca é válido. Vou te contar uma coisa: tenho comido muito menos carne graças a sua decisão de questionar o ser ou não ser vegan aqui no seu blog. Tenho pensado muito também, o que posso fazer para melhorar mais ainda.

    Numa palestra que ouvi no ano passado, num encontro de casais da minha paróquia, um padre nos disse que o ideal cristão é buscar a santidade… e disse que hoje posso ser mais santa do que ontem, e amanhã mais do que hoje. Acho que é o que temos que pensar em tudo na vida. Ser mais feliz hoje que ontem, ajudar ao próximo mais hoje que ontem, reciclar mais hoje que ontem. Talvez seja isto mesmo a tal ‘santidade’ que eu devo buscar.

    (desculpe se viajei… mas o assunto tem mexido muito com minha cabeça também… se quiser me adicionar no msn – que mandei no e.mail- poeríamos conversar muito.)

    Bisous!!

    [zel] fabi, que legal esse seu caminho! acho que estamos buscando o mesmo ideal, e gostei do que “seu” padre falou. guardadas as devidas proporções, acho que a idéia é mesmo se tornar santo 🙂 eu não uso MSN, mas podemos falar por email. nem sempre respondo no mesmo dia, mas sempre respondo! beijo e obrigada por compartilhar

  2. Estava lendo a revista Vida Simples desse mês e numa das matérias lembrei de você, tem uma matéria sobre pessoas que coletam orquídeas que seriam jogadas fora e plantam em árvores pela cidade, assim um presente que durou uma semana para alguns se torna um presente contínuo para os demais. Apesar de não te conhececer pessoalmente ao ler a matéria eu visualizei você fazendo esse tipo de coisa bacana.

    [zel] débora, minha imagem é melhor que eu (infelizmente) 🙂 eu bem que gostaria de fazer uma coisa dessas, sim, mas a verdade é que sou acomodada e preguiçosa. é muito bom ouvir um elogio tão bom assim, apesar de não merecido, me faz querer ser cada vez melhor. obrigada 🙂

  3. Tenho os mesmos questionamentos que você, e sinceramente acredito no “caminho do meio” nesses casos. Por vários motivos — e gostar de cozinhar e comer é o principal deles — acredito que nunca serei vegetariana, mas hoje em dia evito comer, por exemplo, frangos e ovos das “grandes marcas”. Reduzi muito o consumo de carne de boi e quando encontrar um lugar para comprar carne orgânica certamente farei isso.

    Você leu um livro do Michael Pollan chamado O Dilema do Onívoro (livro maravilhoso, informativo e emocionante)? Identifiquei-me demais com o autor, que apesar de apreciar uma boa refeição defende acima de tudo a responsabilidade das nossas escolhas. Um outro livro excelente, mas bem mais radical, é A Ética da Alimentação, de Peter Singer.

    Beijo,

  4. Pelo seu texto, dá pra ver que, apesar de ter uma grande consciência ecológica, você não _quer_ parar de comer carne – o que não tem nenhum problema. Os vegetarianos que conheço pararam simplesmente, um dia, de comer carne e pronto. Se você intelectualizar, nunca vai tomar uma decisão, porque há argumentos bons contra e a favor.

    (E não, essa escolha não é pra se destacar da Humanidade – mas os ‘carnívoros’ gostam dessa e tantas outras idéias para se sentirem melhor sobre suas próprias escolhas.)

    Quando parei de comer carne vermelha e frango há 13 anos, continuei a comer peixe e frutos do mar porque eu sabia que uma decisão mais radical não teria durado. Cada um sabe o que gosta e do que é capaz, então acredito que sua decisão deverá aparecer naturalmente com o tempo.

  5. isabela, eu acho que o fato dos vegetarianos (de verdade ou não – você por exemplo come peixe, então não é vegetariana) dividirem o mundo em “vegetarianos” e “carnívoros” confirma minha opinião. quem se posiciona no grupo “vegetariano” quer sim se colocar acima dos demais, como se seu “sacrifício” os tornasse pessoas melhores.

    carnívoros se alimentam exclusivamente de carne – “nós” somos onívoros, fato inclusive que nos fez evoluir até onde evoluímos como espécie.

    de fato eu não desejo parar de comer carne, considerando o aspecto nutricional e o prazer. moralmente, no entanto, deixar de comer carne faz todo o sentido. jamais tomarei essa decisão pra poder dizer para outras pessoas que parei de comer carne e portanto sou uma pessoa melhor ou mais consciente.

    se e quando eu decidir não comer mais carne, não comerei mais peixe também, pois são animais iguaizinhos às vacas, porcos e frangos. além, é claro, de não usar produtos testados em animais – quantos vegetarianos de fato se dispõem a parar de usar remédios ou cosméticos testados em animais? é um “sacrifício” bem maior que parar de comer carne.

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