sobre a importância da morte…

… mesmo que seja simbólica.

li o texto que vai aparecer ali embaixo na grace e achei sensacional. vou copiar ao invés de simplesmente colocar o link, faço questão de publicar.

adotei a grace como minha irmã virtual. não nos conhecemos pessoalmente, mas pra mim é como se a distância fosse só uma contingência, estamos juntas sempre por email, pensamento e sentimento, dividindo nossas dificuldades e alegrias. não é assim que devem ser as irmãs?

minha irmã de verdade é a mesma coisa – não nos falamos todos os dias e não nos vemos tanto quanto eu gostaria, mas é essencial saber que ela existe e está ao alcance de um telefonema ou email. amor de irmã é uma coisa muito boa, e quanto mais eu puder juntar irmãs pela vida, tanto mais feliz eu vou ser.

sou daquelas mulheres que acreditam em outras mulheres e gostam delas. eu não acho que mulheres são falsas, vingativas ou fúteis. algumas são, como alguns homens também o são. respeito e amo as mulheres da minha vida, elas me ajudam a entender melhor a experiência de ser mulher. agradeço a todas que fazem e fizeram parte da minha vida, todas me ajudaram a ser melhor.

o que dizer então da mãe, a mulher suprema da vida de cada um de nós? eu já disse isso sobre outras datas comemorativas e digo de novo – gosto do fato de existir dia disso ou dia daquilo. não gosto de datas comerciais, mas eu posso perfeitamente ignorar essa parte (e o faço); aproveito a data para repensar, por exemplo, como tem sido meu relacionamento com minha mãe, o que ela representa pra mim.

esse texto aí embaixo me fez pensar e lembrar deste post meu, que mandei para a denize como reflexão sobre o dia das mães. não é uma relação fácil, não senhores.

**

A Medusa, terrível ser mitológico, é considerada pelos gregos uma das divindades primordiais pertencente à geração pré-olímpica. Só depois é tida como vítima da vingança de uma deusa. Uma das três górgonas, é a única mortal. Três irmãs monstruosas que possuíam cabeça com cabelos em forma de serpentes venenosas, presas de javali e asas de ouro. Seu olhar transformava em pedra aqueles que a fitavam. Como suas outras irmãs, Medusa representava as perversões. Euríale simbolizava o instinto sexual pervertido; Éstano, a perversão social; e finalmente a Medusa que, espiritualmente falando, representa a pulsão evolutiva – a vontade de crescer e evoluir – estagnada.


A Medusa, terrível ser mitológico, é considerada pelos gregos uma das divindades primordiais pertencente à geração pré-olímpica. Só depois é tida como vítima da vingança de uma deusa. Uma das três górgonas, é a única mortal. Três irmãs monstruosas que possuíam cabeça com cabelos em forma de serpentes venenosas, presas de javali e asas de ouro. Seu olhar transformava em pedra aqueles que a fitavam. Como suas outras irmãs, Medusa representava as perversões. Euríale simbolizava o instinto sexual pervertido; Éstano, a perversão social; e finalmente a Medusa que, espiritualmente falando, representa a pulsão evolutiva – a vontade de crescer e evoluir – estagnada.

Medusa também é o símbolo da mulher rejeitada e, por sua rejeição, tornou-se incapaz de amar e ser amada, odiando os homens e associando-os à figura daquele que permanentemente as viola e as abandona, pelo fato de ter deixado de ser mulher bela, para se transformar em monstro – por culpa de um homem e de uma deusa.

Seus filhos não são humanos nem deuses… Górgona apavorante e terrível. O mito de Medusa tem várias versões, mas os pontos principais refletem estas características acima. Assim como Midas, ela não pode facilitar a proximidade: um transformava tudo em ouro em apenas um toque; ela é ainda mais solitária e trágica, não podendo sequer olhar, pois tudo o que olha vira pedra. Medusa tira a vida e todo o movimento com um simples olhar. Também não pode ser vista de frente, não se pode ter idéia de como ela é sem ficar paralisado, morrer…

Diz o mito que Medusa fora, outrora, uma belíssima donzela, orgulhosa de sua beleza, principalmente de seus cabelos, e, por isto, resolveu disputar o amor de Zeus com Minerva. Esta, enraivecida, transformou-a em um monstro, com cabelos de serpente. Outra versão diz que Zeus a teria seqüestrado e violado o interior do templo de Minerva, e esta, mesmo sabendo que Zeus a abandonara, não perdoou tal ofensa, e o fim é o mesmo.

Medusa é morta por Perseu que também foi rejeitado, trancado numa arca, juntamente com sua mãe (Danae), e atirado ao mar, de onde foi resgatado por um pescador que os levou ao Rei Polidectes – que o criou com sabedoria e bondade.

Quando Perseu ficou homem, Polidectes enviou-o para a trágica missão de destruir Medusa. Para isto, receberia ajuda dos deuses. Usando sandálias aladas, pôde pairar sobre as terríveis górgonas que dormiam. Usando um escudo mágico de metal polido, refletiu a imagem de Medusa como num espelho, decaptando-a com a espada de Hermes.

Do pescoço ensangüentado da Medusa, saíram dois seres que foram gerados da união com Poseidon – deus dos mares: o gigante Crisaor e o cavalo Pégaso. O sangue que escorreu da Medusa foi recolhido por Perseu. Da veia esquerda saía um poderoso veneno; da veia direita, um remédio suficientemente poderoso para ressuscitar os mortos! Paradoxalmente, ou melhor, ironicamente, trazia dentro de si o remédio da vida, mas preferiu utilizar, sempre, o veneno da morte…

“Três irmãs, três monstros, a cabeça aureolada de serpentes venenosas, presas de javalis, mãos de bronze e asas de ouro: Medusa, Ésteno e Euríale. São símbolos do inimigo que todo homem precisa combater. As deformações monstruosas da Psiqué, segundo Chevalier e Gheebrant (Dictionnaire des Symboles, Paris Robert Laffont, Júpiter, 1982) se devem às forças pervertidas das três pulsões: sociabilidade, sexualidade, espiritualidade”. (Brandão, ed. Vozes 1987).

É perfeitamente observável em pacientes em terapia alguns processos que remetem ao mito de Medusa. Estes relatam um sofrimento imenso devido a dificuldades em perceber a própria imagem. Quem sou eu? A grande pergunta para a qual toda a humanidade busca respostas. Para estas pessoas, como se tivessem uma imagem invertida refletida no espelho, a pergunta seria: o que eu não sou?

Incapazes de mostrar uma imagem positiva, como os filhos monstros de Medusa, erram pela vida alinhando possibilidades para construir a sua monstruosidade. Estes filhos de Medusa, embora filhos de um deus, herdam da mãe a figura monstruosa a que se viu presa a bela Medusa. A duplicidade da mãe os acompanha.

Pégaso, unido ao homem, é o Centauro, monstro identificado com os instintos animalescos. Mas também é fonte, como o seu nome simboliza (”alado”), da imaginação criadora sublimada e sua elevação. Temos em Pégaso dois sentidos: a fonte e as asas. Um dos símbolos da inspiração poética, representa a fecundidade e a criatividade espiritual. Pégaso talvez represente o lado belo da Medusa, o lado que ficou escondido e que não podia ser visto, pois, como vimos, ela representa a pulsão espiritual estagnada. Pégaso seria, portanto, a espiritualidade em movimento.

Crisaor (irmão de Pégaso) é apenas um monstro, pai de outros monstros: o Gerião de três cabeças e Équidna. Esta última herda da avó um destino trágico: seu corpo metade mulher, de lindas faces e belos olhos, tem, na outra metade, uma enorme serpente malhada, cruel. É a bela mulher de gênio violento, incapaz de amar, devoradora de homens… Uma reedição de Medusa que dará continuação à saga ancestral de odiar os homens e gerar monstros.

Com uma imagem distorcida, com dizíamos anteriormente, estes “filhos de Medusa” não podem ver-se a si mesmos como realmente são e, por isto, sempre se imaginam bem piores, até mesmo do que poderiam ser.

Alguns autores como Melanie Klein e Alexander Lowen falam que a imagem de si se origina do olhar da mãe. A forma como a criança é olhada, é vista, o que ela percebe de rejeição ou aprovação é, desde o início, captado através do olhar da mãe. Portanto, os triste filhos de Medusa não podem vê-la, também não podem ser vistos por ela. Esta mãe de mãos de bronze não pode acariciar, seu olhar paralisa, seus dentes de javali impedem-na de beijar, mas se pudesse ser atingida, de alguma forma, pelo filho, ela se tornaria novamente divina, com asas de ouro, um alvo móvel.

Medusa incorpora para estas personalidades de estrutura depressiva o mito da mãe divina, visto pelo seu filho como a “santa mãe”. Não gera filhos felizes, apenas trágicos. Não pode ser mulher, é santa. A princípio, assim como Jocasta (Rei Édipo), depositária das paixões do filho, Medusa não o ama, fazendo-o sentir-se culpado pelo seu amor “incestuoso”. Como recurso, ele passa a santificá-la para poder continuar amando-a e justificando a sua rejeição como forma de protegê-lo de sua própria torpeza.

Desprovida, como toda santa, de instinto sexual, não pode falar ao seu filho da sexualidade feminina, não pode dizer-lhe o que é uma mulher… Inacessível ao seu filho, também como santa, resta-lhe apenas o monstro. Monstro que é percebido pelo filho, mas que se nega a ser visto como realmente é.

Medusa não olha, não acaricia, não orienta. Apenas paralisa. Não é por acaso que o sentimento de depressão caracteriza-se pela inércia, a perda e a ausência da vitalidade natural. Como se tivessem sido transformados em pedra pelo olhar da mãe, os filhos de Medusa erram pela vida sem espelhos que possam traduzir sua própria imagem. São monstros cuja criatividade, afogada na pedra de suas almas, precisa urgentemente ser libertada.

Precisam encontrar um espelho que lhes diga quem são ou pelo menos quem não devem ser…

No trabalho terapêutico de pacientes com depressão, observa-se uma enorme dificuldade em perceber a figura materna. Ela é idealizada a partir de perfis sócio-culturais preestabelecidos que parecem não poder ser questionados. Frases como: “qual mãe não ama seus filhos?”; ou: “toda mãe é uma santa.”, traduzem a situação que impede a visão da realidade.

São pessoas desprovidas de afeto, mas com uma enorme necessidade de carinho, mas que, no entanto, não suportam proximidade, uma vez que não confiam em ninguém, pois não acreditam que possam ser amados. Sentem-se monstros. Alguns, mais adiante no processo, chegam a perceber nitidamente que não foram amados, mas, como se esquivando de perceber a profundidade da própria dor, negam afirmando que tudo isto é normal, diante de sua torpeza.

Falam de mães ocupadas, falam de vaidosas e ressentidas da perda da beleza devido ao nascimento do filho. Mas estas referências são bastante vagas e superficiais.

Quando conseguem se aproximar da visão real dessa mãe de garras e mãos de bronze, os sintomas se multiplicam, aumenta a depressão, e, com esta, a paralisia, a inércia… Podem passar vários dias deitados, sem trabalhar ou realizar um mínimo de esforço. Ver Medusa, entrar em contato direto com o seu olhar, é petrificar-se. Muitos desenvolvem sintomas de dor de cabeça, medos de doenças fatais como o câncer, AIDS (doenças ligadas à amputação, à decapitação, ao sangue, à sexualidade e sintomas de castração).

As fantasias de autopunição se multiplicam, relatam possibilidades de acidentes de automóvel ou com armas de fogo. Têm fantasias de traição com amigos ou companheiras. São pessoas trágicas. Todos relatam uma completa ausência de alegria, mesmo quando estão em ambientes alegres. Uma profunda inveja do prazer do outro os assola. Muitos perseguem a fantasia de resolver a “falta” com postos de poder e dinheiro, o que só faz aumentar a dor, pois o poder que tanto ansiaram, ou o dinheiro que tudo resolveria, aumentam a profundidade do abismo: ter “tudo” o que julgava-se necessário para ser feliz e, mesmo assim, continuar a se sentir um “nada” é uma das experiência existenciais mais traumáticas para qualquer ser humano. O abismo se abre cada vez mais como as entranhas da mãe monstruosa. Restam-lhe apenas fantasias suicidas. É preferível morrer a sentir-se um monstro.

Muitos concretizam, de fato, esta fantasia, como uma última tentativa de atingir a Medusa.

Mas ela nada sentirá. Seu ódio pelo homem que a “violou” transmite-se ao filho que gerou. Sua pior inimiga, Minerva – deusa da inteligência -, por sua vez, deixa-lhe como legado o ódio às mulheres e, por isto, é incapaz de dizer ao filho como lidar com elas, como gerar com elas novos filhos, amados, sadios. Sua descendência, embora não precise ser, deverá ser de monstros que, por sua vez, gerará outros monstros.

Fala-se, portanto, da hereditariedade da depressão, porém, penso que, se houver alguma, deve ser transmitida muito mais por gestos e atitudes, em combinação com o ambiente trágico e desprovido de prazer, em que estas novas crianças se desenvolverão. Os filhos de Medusa não podem ter mulheres amorosas, posto que isto a denunciaria. Raramente, quando encontram estas mulheres, não podem confiar nelas, abortando, assim, a possibilidade de obter o amor que os revitalizaria.

Mas, apesar das dificuldades e das fantasias autopunitivas, Medusa pode ser vista. Através do espelho do terapeuta (e do mesmo como espelho), a figura de Medusa pode ser vista como realmente é. Se a relação terapêutica se estabelece de forma transferencial, amorosa, confiante, o espelho refletirá imagem de Medusa, como ela é. Incapaz de amar, cruel e terrível, górgona, apavorante. Como resultado, o filho descobrirá que o monstro é ela, não ele. Da morte (simbólica) dela resultará a sua vida e, como Pégaso, ele ganhará os céus, liberto, simbolizando a vitória da inteligência e sua união com a espiritualidade, recuperando a sensibilidade que sempre existiu – naquele que se julgava um verdadeiro monstro. Como Pégaso, se não se calcar em seu aspecto de humano comum, se não concentrar-se em revoltas descabidas e em vinganças inúteis, poderá compreender a tragédia de Medusa e perdoá-la. Não se transformará no monstro Centauro, identificado com o instinto animalesco e a sexualidade desregrada.

Caso opte por incorporar o Centauro, errará pela vida sem pertencer a ninguém. Homem de muitas mulheres, mas sem nenhuma. Incapaz de amar, como ela, será um monstro eternamente preso à sua mãe monstruosa. Pégaso, por outro lado, será a fonte da mais pura elevação, da criatividade, da fidelidade… Não é por acaso que Pégaso simboliza a poesia.

As filhas de Medusa também apresentam, como ela, a impossibilidade de serem amadas. São mulheres tristes de trágica figura, mesmo quando belas. Condenadas a serem eternas crianças, presas às entranhas da mãe, não podem deixar de ser filhas-monstro, a não ser para serem mães-monstro. Filhas da violação e do abandono (é assim que Medusa transmite à elas a sua relação com os homens), são mulheres-meninas, incapazes de perceber o homem a não ser como um brinquedo, ou como fonte de sofrimento. Unem-se, quase sempre, a homens cruéis que possam justificar a idéia da mãe da impossibilidade de ser feliz com um homem. Quando raramente encontram o amor, destroem-no, dizimando o homem “amado”, como faz no mito de Équidna, legítima herdeira de Medusa. Mulheres de amores infelizes, herdam de Medusa as garras, as mãos de bronze, e as asas de ouro. Vítimas de novos abandonos, reforçam, em cada experiência infeliz (que colecionam), a idéia da mãe. Também possuem o olhar terrível. Das uniões infelizes, geram filhos infelizes que carregam presos a si mesmas, não por amor, mas pelo terror que podem gerar. São novas “Medusas”, com força renovada. Se pela procura puderem chegar ao espelho, podem ser deusas, podem ser Pégasos, ou até mesmo Poesia – uma das musas; caso contrário, seguirão seus destinos de mulheres-crianças, gerando filhos que não podem amar e que, no máximo, lhes servem de brinquedo para suas brincadeiras cruéis de paralisar e aterrorizar pessoas. Seguem a saga de Medusa: mulher que se torna monstro, pelo descuido de homem, pela crueldade de uma deusa.

Mas e as mulheres Medusas? O que lhes resta? O próprio mito nos mostra…

Perseu, filho de Danae, mãe amorosa que segue seu filho no destino que lhes foi dado pelo pai terrível que, por sua vez, ouviu de um mago que seria assassinado pelo neto.

Trancados em uma arca e atirados ao mar, são salvos por Possêidon que os encaminha a uma praia tranqüila, onde são recolhidos por um pescador e levados ao rei Polidectis, que o educa amorosamente, assim como a um filho. Perseu é filho de mãe amorosa, que tudo perde para seguir o seu filho; mulher que, mesmo abandonada por um homem, não transforma tal abandono em ódio generalizado à masculinidade.

Perseu também: seu abandono pelo avô receoso, e por um pai incapaz de salvá-lo é, no entanto, criado por um pai adotivo amoroso. Perseu e Danae, o oposto de Medusa. Não permitiram que seu sofrimento se transformasse em ódio à humanidade. Foram alcançados e salvos pelo amor humano. Ao contrário de Medusa, da qual ninguém pode se aproximar. Somente Perseu poderia, portanto, destruir Medusa. Ele pode ser visto exatamente como o seu contrário no espelho: ela mulher, ele homem; ela permanentemente ressentida, ele sempre disposto a perdoar; ela sem possibilidade de resgate, ele salvo pelo amor da

mãe que o acompanha, pelo cuidado de um deus e pelo amor de um pai-rei.

Em suma: Perseu possui tudo o que faltou a Medusa, que precisa ser vista, através de um espelho, para ser destruída e libertar Pégaso. Medusa precisa ser compreendida além de seu aspecto monstruoso, como mulher criança, frívola, presa à beleza passageira, desafiando permanentemente a grande deusa, a inteligência a quem desafia e a quem odeia. Para, depois de morta, servir à Minerva, mesmo que seja como esfinge no seu escudo. Guiado pela inteligência e sabedoria de Minerva, que corrige o seu erro de ter criado um monstro, o olhar de Medusa agora é útil, tem aplicabilidade, destrói o inimigo. Já não mata mais a quem ama…

Se a transferência não se realiza, se a relação terapêutica não se faz – e disse uma célebre figura que a terapia é uma função de amor -, os filhos de Medusa verão no terapeuta a imagem dela e, certamente, fugirão. Tudo estará perdido, o amor não poderá realizar o seu resgate, e isto fará com que Medusa permaneça eternamente, destruindo e paralisando, até que destrua, por completo, a própria pessoa ou sua descendência.

Ainda sob o enfoque do mito da Medusa, penso ser possível fazer considerações sobre a forma como se opera, na mãe, e, mais especificamente, nesta mãe desencadeante de uma estrutura depressiva – esta mãe incapaz de ver o seu filho, nem de ser vista por ele do ponto de vista simbólico – a escolha daquele que será eleito o filho rejeitado.

Penso que Medusa (chamaremos assim esta mãe) não se interessa muito por seus filhos deuses, ou seja, aqueles com qualidades excepcionais, pois prefere mais os que podem ser semelhantes à ela no seu aspecto monstro. Mas o que parece mais relevante é permitir-se pensar que, de alguma forma, ela é capaz de reconhecê-los e selecioná-los logo ao nascerem. Ou seria mesmo antes?

De alguma forma, ela pode reconhecer no filho as qualidades divinas e, por isto, deseja apropriar-se delas, tentando encontrar um meio de colocar esse pequeno deus a seu serviço.

Medusa conhece Pégaso, ele está dentro dela mesmo antes mesmo de nascer: precisa apenas libertar-se para ganhar os céus com suas asas maravilhosas. Ele é a poesia, em sua sensibilidade, é liberdade em sua ousadia de voar e, o pior, é que ele, de alguma forma, representa a inteligência, a mente brilhante que lhe faz lembrar Minerva, sua maior opositora.

Pode-se dizer que os depressivos são quase sempre muito inteligentes. Afinal, segundo Doin (1985: “(…) eles aprendem a ler o rosto da mãe como os meteorologistas aprendem a ver o tempo”. De certa forma, pode-se dizer que, mesmo não a vendo, e não sendo visto por ela, ela o reconhece e, assim sendo, também pode ser reconhecida por ele. É então que se dá o conflito: Medusa tenta seduzi-lo para colocá-lo a seu serviço. Mesmo carente, necessitando do espelho do olhar da mãe, Pégaso resiste, pois sabe que submeter-se é a escravidão e a monstruosidade, é perder a liberdade e a sensibilidade, é não poder mais voar e abdicar, de uma vez por todas, de sua inteligência. É tornar-se um deus a serviço de um monstro, ou seja, monstro também.

Medusa, mais uma vez, sente-se rejeitada, não podendo compreender que esse ser divino por ela gerado não aceite ser completamente seu. Deseja suas qualidades, pois como monstro, há muito esqueceu a sua condição de deusa. Deseja-o a qualquer custo.

Por sua vez, Pégaso procura fugir desse corpo monstruoso que o aprisiona, precisa nascer, realizar plenamente suas potencialidades. Mas como fugir daquela que tanto insiste em guardá-lo, a sete chaves, dentro de si mesma?

Para Ragland-Sullivan (1986): “(…) entre os 6 e 18 meses de idade, o infante se identifica com uma imagem corporal de ‘self’ unificada que, mais ou menos, corresponde a uma identificação com o corpo da mãe. A criança também se identifica, gradativamente, com o objeto de desejo da mãe. Desejando ser tudo para ela, o filho (ou filha) quer ser o significante do desejo dela. (…) Mas, uma vez que a criança não sabe ao certo qual é realmente o desejo da mãe, o primeiro significado construído pela criança, o único que é real e concreto, é o seu desejo de agradar e fundir-se com a mãe. Por isto, tanto os meninos quanto as meninas desistem bem depressa de ser, por identificação, o objeto que a mãe deseja, assim que percebem que ela permanecerá insatisfeita, apesar dos esforços que fizeram no sentido de ser o que ela quer”. – e é extremamente patológico quando a criança, por algum motivo, não consegue vencer tal etapa, continuando, mesmo quando adulto, a agradar permanentemente seus pais.

Ora, fundir-se com Medusa é ser monstro e escravo de sua vontade, vontade que nunca é satisfeita, pois parece ser o destino da Medusa: a eterna insatisfação e a morte. Fundir-se a ela é perder a individualidade e errar pela vida a fim de cumprir um destino cruel. Pégaso parece reconhecer isto e, naturalmente, foge.

Para Winnincott (1965): “o ‘Eu sou’ – a unificação dos núcleos do ego – só pode ter lugar no meio propiciado pela mãe suficientemente boa (…) porque ela tem a criança em sua mente como um pessoa inteira”, ou seja, um indivíduo diferente, independente e separado dela. Diz ainda que: “o precursor do espelho é o olhar da mãe”.

Para Doin, o que o bebê vê quando ele olha para o rosto da mãe é ele mesmo refletido nesse olhar. Como poderia ser diferente? Se essa mãe não puder ou quiser refleti-lo, é bem mais provável que o caos se instale. Ela pode também refletir um bebê falecido, ou mesmo seu estado de espírito, ou suas defesas psíquicas. E, assim, esta relação mãe-bebê não se faz, pois o bebê não se vê no olhar da mãe e, por sua vez, não a reflete em sua maternidade, desistindo desse olhar, a não ser para “prever o tempo”, a fim de poder se defender.

Penso que daí se origina a capacidade que os depressivos possuem de perceber e analisar tudo o que os cerca, de maneira obsessiva, minuciosa e detalhada.

A partir daí, a capacidade criativa se atrofia e, embora crie (até por defesa) uma percepção detalhada do mundo externo, não consegue se perceber como realmente é (falta-lhe espelho) e, por sua vez, passa a não confiar mais nas próprias percepções.

Dois caminhos, portanto, podem ser traçados:

1. Pégaso aceita a sedução e transforma-se no Centauro (monstro semelhante à mãe); passa a ser o filho seduzido, entregue à loucura de sua mãe-monstro, tentando sempre satisfazê-la, pois torna-se incapaz de aperceber-se de que sua mãe entregou-lhe uma tarefa impossível: não por incapacidade dele para realizá-la, mas pela insaciabilidade dela que o impede de cumpri-la. Em sua constante busca, combinada com a dependência da mãe, pouco lhe resta senão buscar ser uma pessoa, um indivíduo autônomo, um ser humano integrado.

2. No outro caminho, Pégaso descobre rapidamente que a mãe não lhe serve de espelho, que ela não pode oferecer-lhe de volta uma imagem para que ele possa construir-se como pessoa. Diz Doin (1985): “a percepção (de si mesmo) toma o lugar da apercepção, a percepção toma o lugar do que poderia ter sido o começo de uma troca significativa com o mundo, o começo de um processo em duas direções – em que o auto-enriquecimento se alterna com a descoberta de significado do mundo das coisas vistas”.

Enlouquecido, sem poder de escolha, dependente de sua mãe monstruosa, resta a Pégaso a culpa de aceitar a sedução e o destino de passar a vida orbitando ao redor de Medusa, rebelando-se contra a sua tirania de vez em quando, e, à medida em que se rebela, deprime-se. Torna-se então a criança “boa e obediente”.

Aprende a falar baixo, a não ser incômodo, a movimentar-se apenas o suficiente, desiste do barulho e da sonoridade da alegria. Pégaso passa a ser uma criança solitária, triste, vigilante e extremamente racional.

É bastante comum encontrar crianças quietas, dedicadas aos livros, com poucos movimentos, pois as mães-Medusa não suportam crianças barulhentas, desobedientes e hipercinéticas: seu modelo de criança é o mais próximo ao dos bebês de plástico – que são apenas brinquedos. Muita destas mães contam com orgulho como suas crianças são “educadas”, asseadas, quietas e silenciosas; parecem não dar trabalho algum! Como são comportadas! E deveriam, ainda, acrescentar: infelizes.

Certa vez, uma mãe-Medusa obrigava seu filho, nas festinhas infantis, a ficar permanentemente com as mãos para trás, e não olhar para a mesa de doces, pois não era educado parecer que os desejava – poderia ser interpretado como fome, e sentir fome em presença dos outros não era bonito.

Outra mãe-Medusa tinha uma bela criança inteligente e faladora e sempre advertia ao menino não falar em demasia, principalmente sobre as particularidades familiares, pois, caso contrário, colocaria um ovo cozido em sua boca. Se o fez alguma vez, ninguém sabe, mas pelo seu olhar…

Beliscões furtivos, pequenos tapas, ameaças implícitas, chantagens terríveis, fazem parte da vida “afetiva” destas pobres crianças. Proibidas de movimentarem-se, sorrir, gesticular ou gritar, enfim: de desprenderem a energia que precisam para poderem crescer como crianças felizes. Tornam-se, portanto, imóveis, quase inertes, distímicas.

Não viria daí a imobilidade tão comum nas crises depressivas? O medo de desobedecer que se apodera do depressivo justamente quando ele começa a fazer planos para cuidar de si, ou fazer algo que lhe seja favorável, talvez se relacione com a idéia de “desobediência civil”.

Havia um indivíduo, em processo de análise, cuja a mãe era histérica e, sempre que contrariada, arrumava-se muito bem, pintava o rosto, colocava jóias e dizia que iria se matar no centro da cidade (ou num Shopping-Center), e que a culpa era toda dele por ter sido um menino tão mau. Tal paciente passava, naturalmente, horas e horas angustiado, na calçada da casa esperando a notícia da morte da mãe – que, obviamente, nunca aconteceu…

Inúmeros exemplos podem ser citados, pois parece que existem muito mais mulheres dispostas a serem Medusa do que a desempenhar o papel de Danae. Muito sofrimento existe nestas infâncias perdidas devido a mães cruéis. Muita culpa é colocada onde não deveria estar.

No entanto, parece tão simples reconhecer a crueldade dessas mães. Outro engano! A cultura judaico-cristã em que vivemos não admite a possibilidade de existir uma mãe má. O que apenas reforça a culpa e a dificuldade de reconhecimento da realidade. Reconhecer uma mãe-Medusa é a maior tarefa que se pode propor a alguém. Desempenhar o papel de Perseu – que reconhece e mata a Medusa -, é tarefa para se realizar apenas com a ajuda de deuses, assim como no mito. É preciso encontrar as sandálias aladas, a espada de Hermes e o escudo de Minerva. Simbolicamente, encontrar um Possêidon que os salve, um Polidectes que os ame incondicionalmente e alguém – quem sabe um psicoterapeuta – que lhes arme como Minerva.

Em nossa cultura não é fácil, pois, reconhecer Medusa em um meio que lhe parece tão favorável, é uma tarefa que implica em culpa e depressão. Falo em reconhecer, apenas confirmar dentro de si mesmo essa mãe cruel, tarefa difícil de ser cumprida, pois, culturalmente, a “mãe cruel” é muito confundida com “mãe zelosa” – a que cuida de seu bebê e realmente lhe serve de espelho. Por isto, imaginar “matá-la”, ou seja, livrar-se do poder que ela exerce, impedi-la de destruir o filho (ou filha) é crime hediondo – mesmo que perpetrado na fantasia, no processo terapêutico. Daí a sensação que determinados pacientes têm de recair logo após terem começado a melhorar, traçando planos para a felicidade. E tentarão muitas vezes, até que não se sintam tão culpados por cuidarem de si mesmos.

Assim, sem saída, essas pobres crianças “de mãos para trás”, com medo de olhar e desejar qualquer coisa que seja, inertes, silenciosas e tímidas, crescem sem uma imagem positiva de si mesmo, sem se reconhecerem e, mesmo quando são reconhecidos pelo outro como pessoas capazes, se tornam adultos tristes, depressivos ou melancólicos: muitos não conseguem sequer compreender o sentido da alegria, de uma festa ou de como se divertir. Deprimidos, isolados, funcionando permanentemente abaixo de suas capacidades e recebendo, sempre, bem menos do que merecem.

Penso que os depressivos são os eleitos que se recusaram a ser seduzidos por Medusa. Uma espécie de “em cima do muro”, sempre no meio termo em todos os aspectos. No entanto, a culpa não lhes permite reconhecer a crueldade da mãe, e, por conta disto, ficam ali, orbitando ao seu redor, alimentando a fantasia de que, um dia, serão amados (ao invés de seduzidos), ou que, de alguma forma, ela vai ser capaz de reconhecê-los se fizerem “algo”(que algo?). Penso que os depressivos são pessoas em permanente disponibilidade. São, geralmente, os “bonzinhos” da estória. Vivem fazendo tudo para todo mundo. Passam a vida cuidando dos outros para não cuidarem de si mesmos, pois entendem que, do contrário, estariam sendo egoístas – e “aprenderam” cedo que egoísmo é prenúncio de maldade. Enfim, nem saem e nem ficam completamente na situação.

Criam, assim, um esquema que poderia ser definido como:

DESEMPENHO > RECONHECIMENTO > FRUSTAÇÃO DO RECONHECIMENTO > CULPA > DEPRESSÃO > FANTASIA DE NOVOS DESEMPENHOS.

Falemos um pouco dos seduzidos. Os filhos seduzidos de Medusa podem ser comparados à massas amorfas, sem pensamentos próprios, sem sentimentos particulares, sem senso de privacidade, sem autonomia. Não fossem a sua infelicidade e atonia, poderiam ser comparados a um feto: preso ao cordão umbilical que o alimenta, participa com a mãe da sua monstruosidade, compartilhando excessivamente de suas idéias. Pérfidos, maldosos, incapazes de elaborações próprias sobre a realidade que os cerca, associam-se a Medusa, Ésteno e Euríale – simbolicamente as perversões sociais, sexuais e espirituais, em

outras palavras: as sociopatias; a sexualidade desenfreada, desregrada e pervertida; e, finalmente, toda espécie de psicopatias. Todos estes fatores levam, naturalmente, ao uso de drogas, ao alcoolismo e ao suicídio. Eis Medusa e suas irmãs. Entregar-se a uma é abrir guarda para todas. Escolher seguir Medusa e a solidão, a loucura e a autodestruição.

Podemos reconhecer Medusa nas mães que conduzem seus filhos loucos de médico em médico, com a desculpa de que querem o melhor para eles, mas que, para o médico que os trata, fica evidente que, quando começam a apresentar sinais de melhora, tais mães sabotam o tratamento: mudam de terapeuta; trocam os remédios por conta própria, quando não esquecem completamente o tratamento.

Ela também pode ser vista na mãe do alcoólatra, que ora briga e reclama, ora vai apanhá-lo nas sarjetas, cuida-o, alimenta-o e briga com a família inteira por causa dele.

Podemos encontrá-la nas enormes filas de presídios, em dias de visita. Nestas situações, mostram suas “asas de ouro”: são mães abnegadas que visitam seus filhos criminosos, conduzem enormes sacolas de alimentos, esperam horas na fila, submetem-se à vergonha das revistas de rotina, muitas vezes humilhantes e desrespeitosas para a condição humana –tudo é possível para essas mães-deusas, agora que provaram (ou transferiram?) sua monstruosidade para os próprios filhos, assumem, de certa forma, a condição de sofredoras que carregam filhos-monstros.

Outros seduzidos, caso não enlouqueçam devido à distorção de sua imagem, desenvolvem o que chamamos de “falsos-selfs” (falsa imagem de si próprio). Incapazes de reconhecer e amar uma mulher incondicionalmente, adquirem o que se pode chamar de “destino da lua”,ou seja, mesmo que a todos encante, não pode ser de ninguém.

Tornam-se homens misóginos que passam sua vida tentando, de várias formas, destruir mulheres, em vários graus – que variam desde o enganar e divertir-se com elas, até o espancar, mutilar e, por fim, fisicamente matá-las. Vivem apenas para criar e destruir ilusões femininas.

Caso mulher, a herdeira de Medusa permanece eternamente uma criança e crescem externamente odiando os homens, permanentemente criando e recriando, dentro de si mesmas, a impossibilidade para a proximidade e o amor humano. Os homens ainda podem se tornar “eunucos”, no sentido simbólico, alijando, dentro de si, qualquer resquício de instinto sexual e, com isso, pensam ter destruído o desejo, mas este os perseguirá – não mais como uma pulsão saudável que incentivaria a sua personalidade, mas como Ésteno que sempre acompanha Medusa. O conjunto dos desejos recalcados será, portanto, a principal causa de sua infelicidade, de seu desequilíbrio, enfim, o que, possivelmente, tenderá a se manifestar em uma espécie de filantropia camuflada, por este ou aquele motivo religioso, criando, muitas vezes, claustros que os distanciam cada vez mais da problemática humana. Eunucos de Deus. Mas incapazes de servir a um deus, ou a um ser humano.

Medusa, o elixir da vida e o veneno da morte. Aceitar ser o “seduzido” é perder-se para sempre de si mesmo. Ser o eleito é carregar a culpa e a depressão, mas ter a possibilidade de perceber de que para estes males existe tratamento e cura.

É preciso somente coragem para enfrentar o processo terapêutico, não o encarando como uma trajetória impossível, mas reconhecendo, com maturidade, todo o sofrimento causado pelo processo.

Enfim, o paciente parece ainda não possuir consciência de que, ao resolver o problema através da terapia, eles podem ser considerados sobreviventes, e que todo sofrimento terapêutico é muitas vezes menor do que o vivido com Medusa.

Em outras palavras: o pior já passou. Agora é caminhar para derrubar os muros que os conduzirão à liberdade, é reconhecer-se Pégaso, abrir as asas e voar…

Marise de S. Morais e Silva Santos (parte 1 e parte 2)

Revisão do texto: professor Elias Celso Galvêas.

0 comments to “sobre a importância da morte…”
0 comments to “sobre a importância da morte…”
  1. Zel, gosto muito do seu blog, mas acho que nunca comentei.Descobri você no blog da Fal. Os textos que eu li hoje me tocaram tanto que resolvi comentar.Li os dois textos que você escreveu sobre a mãe, o de 2006 me fez chorar.E o texto da Medusa é muito interessante! Os três textos mexeram muito comigo.Obrigada. Já estava mesmo pensando em voltar para a terapia:)

    bjs.

    Tereza.

Deixe um comentário