a hora de ir

eu disse que queria falar de eutanásia, e acho que hoje é o dia. especialmente porque ontem ela teve que tomar essa difícil decisão por sua gatinha, charlote.

vocês sabiam que a palavra eutanásia vem do grego, bom + morte? eu não sabia, e gostei de descobrir, porque realmente acredito que a eutanásia é um ato de caridade, respeito e amor. descobri ao mesmo tempo que eutanásia é ilegal no brasil (para humanos, suponho), é considerada homicídio (leia o texto com reservas, ele é bastante parcial).

um dos argumentos contra a eutanásia é que ela seria executada em benefício não do paciente mas dos familiares ou responsáveis. algo como “precisamos nos livrar desse problema / sofrimento”. só quem realmente nunca precisou passar sequer perto dessa opção pode pensar que é essa a motivação de quem toma essa decisão.

bah, eu sei que haverá os que querem se livrar do fardo, e pronto. assim como há mães que engravidam para ganhar pensão ou homens que compram uma esposa para ter escrava particular. posso estar errada, mas me parece que transformar a opção por uma morte assistida e digna em crime é forte demais.

da minha parte, gostaria de ter esta opção, seja pra mim ou pra qualquer pessoa que eu amo. não consigo imaginar nada pior que assistir alguém amado sofrendo ou ligado a aparelhos num hospital, sem esperança de recuperação e ainda assim amarrado a um arremedo de vida.

mas é bem mais fácil falar que fazer, admito, e a única experiência que tenho a respeito é com meus furões. optamos pela eutanásia de 2 dos nossos queridos: pixel e groo.

o primeiro foi o mais difícil, não por ser o primeiro mas porque fomos pegos de surpresa. ele ficou mal subitamente (úlcera perfurada) e foi só na mesa de cirurgia que pudemos entender o quanto seus órgãos estavam comprometidos. ele tinha mais de 5 anos (idade considerável para um furão), teria que ter seu estômago reparado e toda cavidade interna tinha sido de alguma forma comprometida pelo suco gástrico. a operação era viável, porém as chances eram poucas e sua recuperação seria muito dolorosa, caso ele conseguisse sobreviver à cirurgia.

decidimos então não submetê-lo a isso. nos fizemos muitas perguntas até decidir, mas a mais importante delas é: por quê? qual é o propósito de passar por dor e sofrimento, com chances tão pequenas de sobrevivência? não nos custaria absolutamente nada cuidar dele na recuperação. o bichinho não chora, não reclama de nada. ele ficaria quietinho, e o máximo que nos daria de trabalho seria monitorar de hora em hora, dar os remédios, limpar. tudo o que já fazemos normalmente quando qualquer deles está doentinho. não foi por preguiça e nem para evitar a nossa dor que escolhemos a eutanásia, foi para que sua partida fosse a mais suave possível. o fer, que estava com ele no dia da cirurgia, ficou ali do lado conversando com ele, protegendo e acariciando até que ele desse o último suspiro. porque era assim que queríamos que ele partisse: sentindo-se seguro e amado, sem dor.

o groo viveu até os 8 anos – um ancião. foram meses de cuidados especiais, pois ele não comia e nem andava sozinho. não fazia mais xixi ou cocô nos lugares certos, sujava a casa toda, os paninhos, trocávamos tudo mais de uma vez por dia. ele tomava remédios 4 vezes ao dia, comia só quando estimulado várias vezes ao dia e precisava de exames constantes de sangue. o fer passou muitas noites em claro com ele, eu passei muitos fins de semana limpando a casa e ajudando com os remédios. até que chegou o dia em que ele já não podia mais ficar em casa, sua glicemia estava tão baixa que teria que ficar internado até que seus órgãos parassem por completo.

fosse ele um humano, teria ido para a UTI e ficaria vivo às custas de aparelhos, até não se sabe quando. sem comer, beber, andar, isolado dos amigos e de nós, cercado por médicos e enfermeiros eficientes porém distantes.

ele passou 2 dias internado, no terceiro dia fomos nos despedir. pegamos no colo, fizemos muita festa, demos todo nosso amor e dissemos adeus. agradecemos a ele por todos os anos de alegria que nos proporcionou. ele foi sedado e a injeção final foi aplicada. nossa veterinária e amiga ficou ali conosco, escutando o coraçãozinho dele e fazendo carinho até que ele desse seu último suspiro.

não foi triste, chocante e nem ruim. choramos, é claro, porque nunca é fácil dizer adeus. e o mundo fica fora de prumo quando alguém que nos é caro(*) o abandona. nós sabemos que a decisão que tomamos foi por ele e para ele, que estava cansado e fraco, sem esperanças de qualquer melhora. não há um fiapo de arrependimento ou de dúvida em mim, tenho absoluta certeza que fizemos o que era melhor pra ele.

quanto mais penso mais acho que manter vivo alguém que sofre sem esperança ou que não tem mais vontade própria é egoísmo. é difícil aceitar que alguém que amamos vai embora para sempre. preferimos manter alguém sofrendo porém vivo a abrir mão da existência do outro.

bom… o assunto é difícil e acho que não existe resposta certa ou errada, no fim das contas. sei o que sinto e acho hoje. e neste momento fico feliz por ter tido coragem de escolher a eutanásia para os nossos pequenos. estou certa que eles são gratos, onde quer que estejam.

**

(*) há quem ache que é bobagem amar animais, eu sei, mas deixo pra lá. aqui nesta casa não trabalhamos com amor categorizado. amamos sem reservas, independente da espécie.

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  1. Oi Zel, eu já passei por isto. Minha mãe ficou 30 dias em coma após um aneurisma e só o que eu podia fazer era rezar para Deus levá-la, já que não podíamos fazer nada. Os médicos confirmavam morte cerebral mas como seus orgãos não podiam ser doados (menos as córneas, as quais foram abençoadamente transplantadas após sua morte) não havia o que fazer, além de nos despedir a cada dia, sem saber se era o último. Me dói o coração com tanta dor que ela estava sentindo, a qual era visível em sua expressão. Apesar do coma, ela não estava em paz e não havia nada que eu pudesse fazer para aliviar esta dor.Muitas vezes ouvi ela dizer que não suportaria ficar vegetando em uma cama e na minha inocência prometi que eu não deixaria… Finalmente, quando ela estava sofrendo horrivelmente, o coração parou e ela foi embora. A dor da perda é muito forte, mas no meio da dor existia a consciência de que se houvesse opção para aliviar a dor DELA, provavelmente eu teria optado, apesar da culpa que inevitavelmente carregaria comigo.

  2. Oi, querida!

    Esse assuntom aperta o coração…

    Em termos jurídicos, em relação a seres humanos, a eutanásia propriamente dita, como vc bem disse, classifica-se como homicídio privilegiado. Eutanásia assim, seria dar algum remédio para que a pessoa morra sem dor, como fazemos com os bichinhos.

    Acredito ser uma solução algumas vezes piedosa, mas não tenho realmente uma posição pessoal sobre o tema.

    Bom, eutanásia para pessoas é proibido.

    Mas o que é permitido é a ortotanásia, que acontece quando uma pessoa possui uma doença incurável (ou sofreu um acidente que cause uma situação irreversível)e a medicina não pode mais fazer nada. Por exemplo, alguns pacientes com câncer, quando não tem mais jeito nem possibilidade de cura, eles podem optar por não se submeter a mais nenhum procedimento doloroso e ineficaz. É diferente da eutanásia propriamnete dita, pq não há indução à morte, o paciente (ou seus familiares)simplesmente optam por deixar a m orte chegar naturalmente, quando não resta mais nada a fazer.

    Mas esse assunto é polêmico, óbvio, pq hoje, com o vanço da medicina, como é que a gente vai saber que realmente não dava pra fazer nada???

    Distanásia é o prolongamento artificial da vida, atarvés de aparelhos. Então, quando não há mais chance de vida, se a família opta por desligar os aparelhos, estaria praticando ortotanásia e não eutanásia, então, teoricamente não haveria crime.

    Digo teoricamente pq aqui no Brasil a legislação/jurisprudência é ainda confusa nesse aspecto, então não acho muito difícil que alguma família que tenha praticado ortotanásia por exemplo, num parente que só se mantinha vivo por aprelhos, seja processada por eutanásia.

    Bom, eu coloquei isso tudo aí só como curiosidade, até pq não é minha área específica.

    Mas, como lhe disse,eu não tenho nem sei se terei um dia uma opinião específica sobre isso, de ser a favor ou contra, porque eu acredito na liberdade de escolha, mas também creio em milagres.

    Ai, Zel, me deu um nó na garganta ler dos seus furões…eu tenho uma cachorrinha linda, quem ama bicho sabe como é.

    Acho que é do mesmo jeito que acontece com os humanos, algumas vezes a eutanásia é um ato de amor, como ocorreu no seu caso.

    beijos

  3. Zel, eu de novo.

    Só agora li o texto com a opinião do presidente da OAB de Sp.Bom , ele é criminalista, eu tbém.

    Essa opinião dele é apenas uma opinião mesmo.

    Eu não concordo com ele. E tem muitos , mas muitos mesmo, operadores do direito (advogados, juízes, promotores, etc) que pensam diferente.

    Mas pesa bastante o conceito de “pecado” que a Igreja Católica e outras religiões cristãs ou não colocam nesses casos.

    E querendo ou não, isso acaba influenciando, mesmo que de forma não explícita, em algumas decisões judiciais.

    Assunto tão complicado, né…pois do mesmo jeito que o advogado do artigo que vc linkou usa Deus e o sentimento cristão para considerar a eutanásia um crime e um pecado, eu usaria a lógica da piedade e compaixão de Deus para dizer que em alguns casos a eutanásia é o único caminho digno.

    Longa discussão, que foge do aspecto legal, para entrar tambpem na área religiosa.

    Ainda bem que não sou juíza. Mas se eu fosse (vontade nehuma de ser juíza, já pensou que pepino decidir algo assim? ), deixaria de fora os MEUS conceitos religiosos e me concentraria na dignidade de vida do paciente.

    beijos

  4. De uns tempos para cá, especialmente depois que o meu avô morreu depois de passar um mês internado e sofrendo horrores, quis ler mais sobre a morte, entender melhor porque não conseguimos aceitá-la. Há um livro excelente chamado “Morrer não se improvisa”, da Bel Cesar, ela trabalha com pessoas que estão morrendo. Há vários e vários casos contados por ela e a gente entende melhor o “deixar ir”. Isso é amor também.

    E sobre o amor pelos animais, eu só fui entender há pouco tempo, quando uma cachorrinha veio morar aqui em casa. Como eu amo essa pequena que torna os meus dias felizes!

    Beijo doce.

  5. poucas coisas são tão delicadas, mas eu queria também que a eutanásia fosse legalizada, pra mim e pras pessoas que eu amo.

    vou procurar um artigo muito bom que li outro dia pra te mandar. sobre eutanásia. sobre as pessoas com doenças degenerativas e o valor de viver morrendo uma morte horrível devagar.

  6. oi, Zel!

    deu pau no comentário. hahahaha

    eu dizia que fiquei emocionada com a forma terna com que você relatou a experiência e expôs sua opinião a respeito do assunto.

    dizia, também, para você, caso não tenha visto, ver ‘Mar Adentro’, que é um filme sobre o isso, baseado em fatos reais.

    beijo!

  7. Olá; eu tinha uma gata siamesa de 14 anos, muito bonita e saudável, com uma vida cheia de histórias pra contar, várias crias, um atropelamento, e minha grande companheira desde os 9 anos de idade; uma noite chegou na minha cama, com um miado muito estranho, e cambaleando, o olho direito coberto de sangue ,como se tivesse tido um derrame;

    ela começou a espumar, e a levei no veterinário e ele disse que realmente ela tinha sofrido tipo um avc; a hipótese de envenenamento nao estava descartada, mas ele falou que naquela idade provavelmente era de causas naturais; que apesar de ser um animal muito bem cuidado pra idade, nao deveria ter mais de 2 dias de vida; foi um choque muito grande e repentino, parecia que era um parente meu que estava condenado;

    receitou uma medicação pra sedá-la, e que nós a trouxessemos pra casa, pra passar com a gente os últimos momentos, mas caso piorasse, eu a levasse para tomar uma injeção letal;

    trouxe ela pra casa, botei numa espécie de sofá pra gatos q ela tinha, em cima da cama, e fiquei com ela o tempo todo; fiz carinho por 1 hora, ela começou a ter espasmos e convulsoes, as vezes tossia sangue, refleti por uns instantes ainda se eu iria decidir pela eutanásia, ou deixar ela ali escutando minha voz e sentindo meu toque;

    foi eu decidir pelo sim, levantar e chamar minha mãe pra avisar o veterinário, que ela ficou quietinha na minha mão, deu o ultimo suspiro e descansou; partiu sem eu precisar me “responsabilizar” pelo fato de ter autorizado o fim da vidinha dela.

    aquele dia eu virei vegeteriano, e sou até hoje (há 3 anos)

  8. dani e rodrigo, desculpem! 🙂 juro que a intenção não é deixar ninguém triste, eu não fico triste quando escrevo. a gente tenta sempre fazer tudo com amor e leveza quando se trata deles, sabe, porque eles são criaturinhas felizes.

    não fiquem tristes comigo, pleaseeee 😀

  9. Sobre este tema, um dos melhores filmes já feitos é o Mar Adentro (com o Javier Barden) .. é impossivel assitir e nao acabar sacudido até o mais profundo do ser.

    Acho que este tema é bem complicado, principalmente porque é muito dificil opinar desde fora. Só quem já passou por uma situaçao assim (com um familiar, mascota, ser querido de qualquer espécie) pode saber o doloroso que é ver um ser amado se transformar pouco a pouco por culpa da dor.

  10. querida, você leu a matéria sobre a enfermaria de cuidados paliativos que saiu na Época há umas semanas? Eles levantaram esse tema (da medicalização da morte e de quanto é cabível/ético ‘esticar’ a vida a todo custo de uma maneira tão delicada! Tá aqui, ó: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10399-15257,00-A+ENFERMARIA+ENTRE+A+VIDA+E+A+MORTE.html

    O que eu penso às vezes é justamente o contrário desse papo de que a eutanásia é feita para a ‘conveniência da família que quer se livrar do doente’: será que ‘segurar’ um parente vivo a qualquer preço também não é um tanto de egoísmo dos que aqui ficam e não querem perdê-lo?

    Enfim, esse assunto rende.

  11. Estou chorando horrores com o seu post, com tudo que a dona da Charlote escreveu.

    Sou uma gateira, tenho 4 gatos em minha casa e 6 na casa da minha mãe, além de 3 cães. Amo bichos mais que gente!

    Minha gata mais velha, Frida, tem apenas 7 anos e está com suspeita de hipertireoidismo ou tumor de tireóide. Fez exame de FIV/FELV (como sofri até o resultado negativo!) e o exame específico ainda não revelou nada. Mas o pior é que em qualquer dos casos, o tratamento é sofrido, pro resto da vida e não cura. E ela é estressada, não toma remédio por nada! Eu e família decidimos deixá-la em paz, seja o que for. Como minha irmã que trabalha em UTI diz: tem tratamento pior que a doença. Não farei isso com minha querida, a primeirona, amadíssima. Ela vai viver o tanto que Deus deixar. E muito amada.

    Obrigada pelo lindo post. Emocionante mesmo.

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