(quero crer que para melhor)
pois eu reli as brumas de avalon, e terminar a história foi praticamente uma tortura. tive que fazer um certo esforço pra ir adiante sem jogar o livro na parede várias vezes.
minha primeira leitura foi aos 23 ou 24 anos (ou seja, há 15 anos) e lembro de ter gostado, e muito. na época fiquei com uma ótima impressão da série, aquela coisa “a história da távola redonda do ponto de vista feminino” e tal-e-coisa. hoje, se fosse resumir, seria algo como “a baixa auto-estima das mulheres destruindo reis e reinos, desde tempos imemoriais”.
mas antes de explicar o que me incomodou, adianto que a história é bem contada e tem um apelo interessante. incesto, intriga, guerra, religião, romance, traição, um tiquinho (bem inho) de sexo e (aham) política e história. se você conseguir não se incomodar com o que vou mencionar, pode ler sem medo e será divertido.
a história é contada do ponto de vista das mulheres da história, basicamente: morgana (a irmã do rei artur e mãe do herdeiro do mesmo rei, mordred), guinevere (a rainha e mala sem alça), morgause (tia da morgana e do rei artur, irmã de igraine), igraine (mãe de artur e morgana) e viviane (senhora do lago, sacerdotisa de avalon).
o que me irritou no decorrer da história toda é o sentimento de inadequação expressado constantemente por todas as mulheres da história. elas se sentem inferiores umas às outras o tempo todo, procuram a aprovação dos seus homens o tempo todo e vivem em função do que os outros acham e querem.
morgana é morena e pequena, e tem inveja de guinevere, que é loura e alta. guinevere tem inveja da liberdade de morgana e dos seus cabelos negros e atitude. igraine vive em função do marido (o rei) abre mão de ser mãe para proteger os interesses do reino. estas todas sofrem com sua aparência (ou são muito velhas ou muito novas ou muito magras ou muito altas ou…) e com culpas relacionadas às suas crenças. guinevere vive imersa em culpa cristã e morgana vive em crise com a deusa e seus caminhos tortos. todas insatisfeitas e infelizes consigo mesmas, com o que são, até o final de suas vidas.
morgause é a única que prioriza sua vontade e prazer, que aproveita a vida e lida com os homens de igual pra igual. ela se acha bonita (e por isso mesmo ela é), é dona do seu nariz e faz o que bem entende. e, surpresa!, é a criatura mais malvada de todo o livro, a personagem mais cruel e manipuladora, que acaba (adivinhem?) sozinha e renegada por todos ao seu redor.
por que será que essas coisas não me chamaram a atenção aos 23 anos? tenho uma teoria (que vale só pra mim, é claro): eu me identificava com o cenário. também me sentia constantemente inadequada, me comparava com a vizinha e achava que tudo o que eu tinha era pior do que o que as outras mulheres têm. além, é claro, de achar que meu “eu passado” era melhor que meu “eu presente” e que meu “eu futuro” seria melhor que meu “eu presente”. constantemente insatisfeita com o agora, procurando consolo no passado idealizado ou no futuro inventado.
elas todas são mulheres-reflexo – vivem e são somente em função dos seus pares e principalmente de seus homens. sua existência só faz sentido quando validada pelo outro.
e morgause, é claro, era a concretização de tudo aquilo que eu não era. exatamente por isso ela encarna a tradicional bruxa má, aquela desgraçada que faz tudo que eu queria fazer e é tudo que eu não sou 🙂
15 anos depois, as coisas são um pouco diferentes. ainda me vejo um pouco presa na armadilha de me definir sempre pelo outro, esperando aprovação ou validação, eternamente achando que sou inadequada. mas a briga pra me livrar dessa maldição tá adiantada – me incomodo com esse modus operandi, quero me livrar dele e exatamente por isso me incomoda tanto observar esse padrão. as mulheres de brumas de avalon são como eu, mas não querem mudar! elas se rendem à maldição, aceitam e morrem infelizes e isoladas (em conventos, nos seus castelos ou na ilha de avalon).
e será que é preciso ser morgause-a-bruxa-má pra ser feliz e independente? será que mulheres que se aceitam como são e não ficam esperando aprovação são realmente bruxas más? (um monte de homens acham que sim. você que é mulher e tenta ser independente, preste atenção à quantidade de homens que torcem o nariz pra você)
concluo que quero me livrar desse horror de me sentir sempre inadequada (corpo, cabelo, pele, cores, altura, profissão, tudo errado) e também de me sentir culpada por pensar em mim antes de pensar nos outros. e o livro, afe, é uma série de contra-exemplos de tudo aquilo que eu quero ser (e serei!) como mulher.
que momento pra reler esse livro… sermpre acreditei que nossas leituras promovem um diálogo interior, que é facilitado pelo autor que nos apresenta a história. não atribuo minha indignação à autora, obviamente. não quero desmerecê-la e muito menos ao livro. ele é (como tudo, aliás) só um espelho, e eu refleti exatamente o que me incomoda, o que neste momento me salta aos olhos.
vejam vocês: eu aqui com quase quarenta anos e ainda me debatendo com as questões mais básicas de como ser mulher sem sofrer e como aceitar a si mesmo como se é…
(que eu continue assim até os 100 :))
faz algum tempo que to pensando em escrever um post sobre este livro, agora acho que vai demorar ainda mais.
Eu comprei este livro aos 20 e levei 10 anos para começar a ver, deixei de ver o filme em DVD por conta do livro.
As críticas sempre elogiando a história e a forma que foi contada “pelo ponto de vista feminino”.
Quando li eu realmente me decepcionei e como você eu me senti torturado em ler cada página.
Eu achei o livro pequeno, raso, as mulheres que conheço são muito mais do que isto, você é muito mais do que as “heroinas” do livro, minha esposa, minha mãe, minha irmã tem pensamentos muito mais profundos do que aqueles descritos no livro.
A preocupação em ser aceito em ser alguém, em ser amado é algo que fica para trás, talvez de fato fica lá na adolescência, pena talvez aqui caiba a lógica de Paulo Autran “tem coisas que tem época certa para acontecer”, talvez eu devesse ter lido o livro aos 20.
humm…
eu li os livros mais nova ainda que vc, mas não tenho tido interesse em voltar a lê-los (tem uma lista enoooorme de livros que precisam ser lidos antes!), mas certamente vou lembrar desse seu comentário qdo eu for relê-los!
acho até que vou trazê-los mais pra perto, na minha lista de livros a reler… kkkkkkkk
bjs, bom domingo!
a.
eu sou uma fã incondicional das Brumas, li aos 15 e li outra vez aos 18 e de novo com uns 20.
Mas fazem muitos anos que eu li a última vez (alguém levou a coleção emprestada e nunca devolveu) e ultimamente vinha pensando em reler.
Vou pensar melhor… Todas estas questões tem me deixado muito chatinha ultimamente, eu olho em volta e machismo/feminismo/a idade da mulher/questões de autoestima feminina são temas que dominam minhas cartas, meus e-mails, minha cabeça… Não sei se quero passar esses quatro livros pensando e repensando tudo que eu já pensei, questionando e “second-guessing”..
Achei sua jaboticabeira linda, linda, blessed be.
um beijo
Bom, levando em consideração que meu e-mail é gwydion_mordred dá para imaginar o quanto eu gostei de As Brumas (e qual era o meu personagem preferido).
Li As Brumas pela primeira vez aos 08 anos de idade e reli outras quatro vezes durante a minha adolescência. Creio que faz mais de 10 anos desde que reli pela última vez e nunca mais tive coragem. Pra mim foi um livro tão importante, tão especial, que me marcou tanto, que tenho medo de reler e não sentir nele a mesma emoção, a mesma magia.
Sim, as mulheres de As Brumas são esteriotipos das fraquezas das mulheres e é justamente por isso que eu gostava. A história as colocava em posição de destaque e mostrava o quanto elas meteram os pés pelas mãos. Morgana tinha tudo para ser feliz, ficar ao lado de Arthur, dominar a Bretanha e por medo, por moralidades colocadas em sua mente, abdicou de todo um poder que estava destinado a ela. Mesmo amando-a profundamente, nunca consegui perdoá-la por isso. Mas foram essas mesmas mulheres que me inspiraram. Eu dizia ‘quero ser livre como Morgana, sábia como Viviane, cortejada como (a chata da) Gwenhyver, etc, etc, etc’. É bem verdade que as coisas não saíram bem como eu imaginava, mas foram justamente essas mulheres que me mostraram o que vale a pena e o que não vale no caráter de uma mulher (ou melhor dizendo, de um ser humano).
Eu gostava de Morgause, mas me irritava a fome por poder e a arrogância dela. Talvez seria mais fácil gostar da mulher se ela não fosse tão manipuladora e tão centrada em si mesma. Mesmo assim ela tinha os seus pontos positivos e eu não a odiava. Acho que odiar de verdade eu só o fiz com Gwenhyver, que usou de sua fraqueza para manipular todos ao seu redor e levar aquele povo às profundezas da escuridão que era um reflexo de sua alma.
Li aos 15, reli aos 20 e aos 30. E em cada uma delas as visões foram muito diferentes entre si.
Da primeira vez fiquei encantada, da segunda enxerguei coisas que não tinha percebido antes (o ciúme com motivo da Guinevere quanto a relação do Rei com Lancelote). Também me deu uma certa aflição, na última relida, enxergar as personagens como um bando de infelizes.