eu e michael moore

já comentei aqui outras vezes sobre esse cineasta que faz filmes polêmicos: tenho uma série de restrições a ele. a mais importante é uma tendência ao jornalismo melodramático (estilo predominante na globo, aliás) que eu detesto. ele explora a desgraça alheia pra colocar seu ponto de vista com mais frequência do que eu considero aceitável.

acho também que ele é tendencioso na apresentação dos fatos (espertamente “ignora” outros argumentos na exposição do seu ponto de vista), mas isso não é um problemão, afinal todo mundo faz isso. não existe isenção absoluta em nenhuma exposição, cabe àquele que recebe a informação procurar outras fontes e tirar suas próprias conclusões.

(a propósito, se puderem leiam esse post e o anterior da rosely sayão. ela fala um pouco sobre liberdade de expressão e sobre como reagimos à informação que recebemos)

os filmes mais recentes que assisti do diretor são sicko e capitalism, gostei muito de ambos e recomendo. quer dizer: recomendo pra quem está disposto a ver e pensar, e não somente julgar (leiam os posts da rosely, please :)).

cabe dizer, antes de mais nada, que tenho profunda resistência ao estilo de vida americano, à ética protestante e o capitalismo como ele se caracteriza nos USA.

isso não quer dizer que eu seja socialista ou comunista ou qualquer outro rótulo que queiram adotar. primeiro porque não acredito nessa categorização, segundo porque socialismo e comunismo pra mim foram e continuam sendo meramente utopias sem chance de realização considerando a humanidade como ela é.

uma coisa que admiro nos USA é justamente a possibilidade da existência e sucesso de um cara como michael moore. qual outro país de fato permite críticas tão graves ao seu sistema, seus políticos e sua indústria serem transformadas em filmes e divulgadas livremente? acho admirável. por outro lado, questiono se essa liberdade não é arrogância excessiva, condescendência (tipo “pfff… deixa esse doido falar, não nos faz nem cosquinha”). de toda forma, é impressionante.

os dois filmes a que me refiro aqui questionam basicamente a mesma coisa: o privilégio do lucro em detrimento do ser humano. a tese é simples: o governo americano deu as mãos aos empresários, uniu-se a eles na busca pelo lucro, e os indivíduos que se virem com suas necessidades básicas de subsistência e qualidade de vida. democracia virou só um regime de votação, já que as decisões que afetam ao povo representado pelos políticos são tomadas em função do lucro e não das consequências para “o povo”.

em sicko, ele mostra claramente que o sistema de saúde (que nos USA é privado) tem como meta reduzir custos. os gerentes/CEOs destas empresas têm seus bônus baseados na quantidade de dinheiro que eles deixam de gastar com os associados aos planos. você, pessoa de bem que me lê, poderia pensar que eles deviam ser recompensados por reduzir custos/gastos com tratamentos através da medicina preventiva, certo? errado! eles se baseiam em brechas das regras de cobertura dos planos para recusar tratamento. é assim que reduzem custos. e só de curiosidade, as indústrias farmacêuticas são parceiras das empresas de seguro saúde. conflito de interesses não parece ser algo que preocupa os americanos, o importante é a planilha de profit & loss.

michael moore mostra como esse sistema americano de saúde é exclusividade deles: os USA são o único país rico que deixa seus cidadãos (que pagam imposto como todos os demais, aliás) completamente desamparados caso não consigam um seguro saúde. se você não pode pagar ou eles não aceitam você (o que parece ser comum), prepare-se pra passar maus bocados.

tudo isso porque o Capitalismo, assim com letras maiúsculas, é o regente daquele país. criar um sistema de saúde público, usando impostos, é considerado uma afronta ao senhor Capitalismo. afinal, se você não pode pagar seu seguro saúde ou se tem uma doença crônica e nenhum seguro saúde aceita você… azar o seu, loser! fosse mais rico, fosse mais saudável, fosse mais bem-sucedido. é perfeita a lógica protestante por trás disso tudo: se você se deu mal, é porque não se esforçou o suficiente, e deus não escolheu você. rale mais, sofra mais, ganhe mais dinheiro. o dinheiro que você ganha é a medida exata do seu valor diante de deus e da sociedade.

eu acho o individualismo americano vergonhoso. somos uma espécie gregária e colaborativa, e só chegamos ao ponto de evolução atual graças a esta característica. exatamente porque soubemos tirar proveito das ações em conjunto, nos ajudando mutuamente (uns mais, outros menos), é que somos bem-sucedidos como espécie. o individualismo (e o capitalismo como tem se desenvolvido) é obviamente auto-destrutivo. como eles não percebem isso? esse comportamento simplesmente não é sustentável, como está ficando cada vez mais claro pra quem quiser ver.

tem que haver uma alternativa, e esse é o ponto do michael moore na minha opinião. me parece que ele admira seu país e tem orgulho da sua história, mas crê que algo deu errado no caminho e precisa ser corrigido. por que não usar exemplos bem-sucedidos de outros países? é simples arrogância ou jogo de interesses econômicos?

não tenho respostas, é claro, sou leiga e mera observadora. mas me preocupa (e irrita, confesso) ver tanta gente no meu país admirando um país como os USA e querendo que sigamos esse exemplo. eles têm algumas qualidades admiráveis? claro que têm. todos os países têm as suas, inclusive o nosso. o que me assusta é a idolatria idiota a um sistema que não funciona. por que diabos alguém gostaria de ver esse modelo não-sustentável americano aplicado aqui? por que tem tanta gente ainda querendo importar SUVs americanas em tempos de aquecimento global e crise de energia?

todo brasileiro com acesso a TV/DVD devia assistir os filmes do michael moore. pra parar de considerar os USA como modelo pra nós, pra dar valor ao que temos e principalmente pra entender que nós poderíamos ter mais e melhor se de fato assumíssemos nosso papel de cidadãos com poder de voto. parece que esquecemos que vivemos nós aqui também num sistema democrático que nos permite sim mudar nossa própria vida. basta querer, se manifestar como puder, a começar por nós mesmos, nossa família e a comunidade ao nosso redor. se continuarmos achando que ser individualistas é a solução (fodam-se os outros), vamos dançar como eles estão dançando.

3 comments to “eu e michael moore”
3 comments to “eu e michael moore”
  1. Zel,

    eu como conspirador mor desejo sempre a morte dos EUA (mas nem em 2001 eu consegui destruí-los), ahahhaha.

    Mas voce tem razão. De tempos em tempos, a onda pro EUA como exemplo de lifestyle e modelo a ser seguido retorna. E cada vez mais perigosa e recheada de argumentos.

    Pior agora, em tempos internéticos, onde a moçada somente le as headlines, nunca procurando maiores referências.

    Nem a tentativa do Bobama de modificar o sistema de saúde gerou reflexões. Curiosamente, Michael Moore é um dos campeões de venda nos camelos cariocas.

    Um beijo gigante para vocês três.

  2. Zel, meu irmão e minha mãe (ou simplificando, minha família, porque não tenho mais parentes) moram nos EUA. Minha mãe já está lá há 10 anos, meu irmão há 6. Tentam, a todo custo, render-me ao american lifestyle. Eu tento, em contraponto, mostrar que sou feliz aqui, falando a minha língua, comendo a minha comida, vendo minha cultura. Não tenho muito contra os americanos, apesar de achá-los um tanto quanto preconceituosos. Os meus só não sofreram tanto porque moram em comunidades brasileiras. Fico pensando como seria se morassem em NY ou Washington. Enfim. Concordo com você. E digo mais. No meu caso, fugir do Brasil não é solução. É arrumar mais um problema. ou vários…

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