eu gostaria de ter uma arma de fogo. várias, talvez. uma escopeta, na verdade, é meu maior sonho de consumo violento. cada vez que vejo alguém fazendo uma barbaridade no trânsito ou na rua, saco minha escopeta imaginária e arrebento os miolos do infeliz, como no videogame. e sinto um prazer enorme fantasiando que mato o filhodaputa que me fechou no trânsito ou a dondoca que maltratou um garçom.
pra não falar dos casos de psicopatas, assassinos, sequestradores e estupradores. minha raiva é tanta que às vezes fantasio com detalhes requintados a vingança contra eles, me imagino como uma justiceira poderosa, armada até os dentes, destroçando os representantes do mal.
desejo de vingança, de morte e violência contra “o mal” fazem parte de mim, sim, são sentimentos básicos e poderosos. a quem queremos enganar? armas não servem para defesa, mas para o ataque contra aqueles que sentimos como ameaça. pareceu suspeito, eu acho que estou em risco? BANG-BANG. antes ele do que eu.
e é exatamente por isso que eu nunca, jamais em tempo algum, posso ter uma arma de fogo. é fácil demais querer matar, fácil demais apertar um gatilho. e é por isso também que sou contra, radicalmente, o uso de armas de fogo em quase qualquer circunstância.
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o quase é porque nem eu embarco completamente na utopia – armas de fogo deviam ser banidas, extintas, para sempre. armas de fogo não podem ser usadas para nada que seja construtivo, nada de bom. mas entendo que há questões de defesa civil e militar, e concedo que esses profissionais precisam ter acesso a armas de fogo. a contragosto. dentro desta concessão, que os profissionais sejam treinados não só tecnicamente mas principalmente emocionalmente. que saibam que aquela ferramenta em suas mãos serve única e exclusivamente para cometer atos de violência. e que estejam preparados para lidar com isso como se deve: com pesar e tristeza, nunca com orgulho ou alegria. matar não devia ser motivo de orgulho pra ninguém, em nenhuma circunstância.
mas armas de fogo “servem para defender”, você vai dizer. muitas coisas podem servir para defender – um porrete, uma vassoura, pedras, sei lá. todos eles são armas efetivas para afastar a maior parte das ameaças (convenhamos que não há leões caçando pessoas na maior parte do mundo, não é? ainda assim, poderiam ser tranquilizados, ao invés de mortos por arma de fogo). por que arma de fogo? pra poder matar, por medo de morrer ou ser subjugado.
além da discussão filosófica, pra a grande maioria das pessoas ter armas é mau negócio. se você for muito bem sucedido no uso dela, vai matar outro ser humano (porque se você precisou sacar a arma, é porque precisa ser uma situação de vida-ou-morte); se for mal sucedido, vai morrer. sei que há no meio do caminho aí a ilusão do usuário de arma: aquele que me ameaça vai desistir, e fugir. mas no limite, todos agindo da mesma forma e tendo acesso a armas, não há mais fuga, o confronto é inevitável. e vence quem sacar mais rápido, como nos filmes de faroeste.
quem, em sã consciência, pode ser a favor disso?!
e se você for um zémané com arma nas mãos, tudo isso piora, e muito. porque para usar uma arma é preciso pegá-la (ou você anda com ela no corpo, feito policial?), estar preparado, antecipar, ter sangue-frio. nós, pessoas comuns, guardaríamos a arma bem guardadinha a 7 chaves (pras nossas crianças não se matarem, certo? somos responsáveis!), e quando um bandido entrasse na nossa casa, estaríamos exatamente na mesma condição de um pobre coitado sem arma.
mas espere: a situação é ainda pior, pois o bandido vai achar a nossa arma, e descobrir que somos muito valentes com nossa arma na mão. talvez ele, que queria só roubar, considere nos matar para eliminar a ameaça. ou, se for bonzinho, só leve a arma embora junto com nossa TV, DVD e aliança de casamento. genial, mais uma arma na mão de um bandido.
armas de fogo deviam ser artigo de consumo ultra restrito, como urânio enriquecido. é fácil demais fazer besteira com elas. armas de fogo nas mãos de todos não torna o mundo mais seguro. educação, cultura, amor, gentileza e igualdade tornam o mundo mais seguro.
nossa natureza violenta e mesquinha combinada a condições de escassez e ameaça nos torna péssimos portadores de qualquer tipo de arma, mas nenhuma pior que as armas de fogo, tão fáceis de causar enormes estragos, em grande escala.
a melhor defesa não devia ser o ataque. nesta altura da civilização humana, já devíamos ter aprendido isso.
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no dia em que me mostrarem estatísticas de que armas de fogo salvam pessoas, quem sabe eu mude de opinião. e não vale contar pessoas salvas só do lado dos mocinhos, ok? por mais que eu tenha vontade de matar os bandidos todos (veja o primeiro bloco), não cabe a mim escolher que morrem os maus e vivem os bons. a morte de um bom não justifica a morte de um mau.
que nossa energia vingativa seja redirecionada para encontrar soluções para as causas da violência. ao invés de brigar pelo direito de portar armas, por que não brigar por melhores condições de vida para todos os seres humanos, pra que todos possamos ter famílias atentas e carinhosas que nos ensinem que violência é errado? devíamos aprender que ser gentil é melhor que ser escroto, e que é muito melhor ser assaltado que ser o assaltante.
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… mas quando o mundo acabar, e os zumbis invadirem tudo, eu bem queria ter minha escopeta em mãos e muita, muita munição 🙂
Felizmente conseguimos [eu, meu irmão e minha mãe] convencer meu pai [um baita homem bão mas também com uma puta ignorância e brabeza] a se desfazer de DUAS armas numa campanha de desarmamento que houve no fim da década de 90.
Inclusive pagaram [a delegacia, o governo, sei lá] uns trocados pelas armas, que foi imediatamente convertido num churrascão daqueles no melhor estilo “visão do inferno”, com direito a muita gente bêbaba e cantando sertanejo hahahaha.
Zel, que “textaço!!”, só posso aplaudi-la. Parabéns.
Abraços,
ana