a popularização das câmeras digitais e smartphones mudou o mundo — na época que eu era criança, câmeras fotográficas eram raras, coisas que custavam muito dinheiro, assim como os filmes e o processo de ampliação. era todo um mundo mágico, esse das fotografias, reservado àqueles com condição financeira e conhecimento técnico somente. minha tia mais chique e exótica era (ainda é) fotógrafa, e sempre a vi como artista.
bem mais tarde, quando comecei a me interessar pelas artes em geral e estudar um pouco de história da arte, me deparei com a questão do que é ou não arte. achei curioso o quanto esse assunto é polêmico e gera discussões acaloradas. sempre me perguntei por que tanta preocupação com o que é ou não arte? pessoalmente, sem nenhuma análise filosófica ou estética, consumo arte como meio de obter prazer e como fonte de reflexão. gosto muito da arte moderna exatamente pela provocação do intelecto, já que nem sempre é possível estabelecer uma relação óbvia com a obra. mas para aí a minha análise, e procuro simplesmente me deixar levar pelo enlevo estético ou intelectual, “saboreando” a arte, como boa hedonista que sou 🙂
não tenho/tinha opinião formada sobre fotografia como arte, mas gosto de fotografar como forma de registro, simplesmente. nunca pensei nas minhas fotos como forma de arte, em absoluto. comprei minha primeira câmera analógica com vinte e poucos anos, e a primeira digital com mais de 30. nunca usei câmeras que não fossem automáticas, nunca me interessei pela parte técnica da fotografia, pra mim trata-se somente de registro para a memória, e sou dessas pessoas que voltam às fotos com frequência, para lembrar e reviver.
meu acervo digital pessoal começou em 2005, e já tenho incríveis 8 mil fotos no flickr (ferramenta que gosto muito), provando que fotos me divertem. minhas fotos não são artísticas, e às vezes nem são boas — não me importo. elas servem bem ao propósito de lembrança e registro, alimentam a memória e me ajudam a reviver emoções, situações. acho a discussão meramente interessante, mas tem quem critique com emoção a popularização da fotografia, o que eu acho bobagem. deixem que fotografem, oras. nem todos precisam ou mesmo querem ser artistas. gente como eu quer só poder lembrar do momento.
esse não é um assunto que ocupa meu tempo, ou meus pensamentos. semana passada vi a polêmica sobre este fotógrafo que capturou imagens dos seus vizinhos, e fez uma exposição que ficou famosa (além de vender as fotos por muitos dinheiros). ele alega que não há caracterização, e que as fotos são nada mais que uma composição usando elementos (pessoas/locais), não há exatamente invasão de privacidade ou uso de imagem. é arte, como um quadro pintado usando alguém como referência. o objeto sendo retratado deixa de ser um indivíduo específico para ser um representante universal do ser humano, na obra, naquele instante retratado. entendo a comoção do indivíduo que ficou na foto, mesmo sem caracterização; entendo a sensação de invasão. mas pra ser sincera, fico mais do lado do artista. seu olhar e a beleza do ensaio são mais importantes que o indivíduo.
(mas essa é minha opinião pessoal e de não envolvida. fosse eu nas fotos, talvez pensasse diferente)
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e aí, neste fim de semana, encontramos com alguns amigos para um almoço. sempre tiramos fotos, e compartilhamos no instagram, e facebook, faz parte da diversão dos encontros em época de redes sociais. fotografo muito minha casa, meu filho, minha família e amigos, meu entorno. é uma forma de lembrar, e também de viver com os que moram longe através das redes sociais.
a adriana estava fotografando com uma câmera mais chique, diferente de nós todos carregando iphones. (hoje em dia eu estranho gente carregando câmeras, veja só). ela não é uma amiga íntima — é amiga de uma grande amiga, e uma pessoa muito querida. além de ser a paixão da vida do otto, que a amou desde o primeiro contato. e bem no final do dia ela publicou no facebook duas fotos que me emocionaram profundamente, vejam vocês mesmos:
fernando e otto doentinho
as fotos não são “apelativas”, tipo cachorrinho bebê ou daquelas composições feitas para causar emoção. mas essas fotos me causaram uma emoção fortíssima, e não só porque estão ali retratados meu filho e meu marido e companheiro. as fotos são lindas, tecnicamente, mas o que me levou às lágrimas foi o retrato tão transparente das emoções nas pessoas ali na foto.
na primeira, a felicidade do otto é contagiante. ele sorri com a boca (enorme!) e com os olhos, e não é um sorriso qualquer: é um sorriso pra ela, especial, porque ele adora a adriana. desde a primeira vez que a viu ele demonstrou um carinho e afinidade enormes, espontâneos, muito bonitos de ver. e ela, com a câmera, eternizou esse carinho e felicidade perfeitamente. e quão lindo é poder olhar mil, 10 mil vezes para essa foto e reviver essa emoção, esse amor? quanta generosidade e entrega é preciso ter para conseguir captar isso num clique? não é só o amor dele por ela que está nesta foto, é também o carinho dela por ele que está lá.
a segunda me emociona todas as vezes que olho, porque além de estarem lindos na foto, a pose e os olhos (em especial do fer) são transparentes e revelam todo amor e emoção que sentem estes dois um pelo outro. essa relação de entrega do otto com o pai (em especial quando frágil e doente como estava neste dia) fica nítida, assim como o abraço protetor e o olho de leão do fer. eu, a mãe e companheira, já tinha visto e sentido esse amor feroz que ele tem pelo otto, no dia a dia. é um amor tão grande e protetor que parece amor de bicho. é um amor diferente do meu, que sou muito mais solta e leve com o meu filho, mãe-macaca-orangotanga. o fer é pai tigre, pai leão. pai que protege, guarda, cuida e mata quem tentar chegar perto.
essa foto é a síntese do amor deste pai por este filho, é um retrato de amor feroz e de entrega absoluta. lindo, emocionante, translúcido. emoção eterna, que posso reviver sempre que olhar para esta foto.
agradeço com todo coração à adriana pelo lindo olhar, e pelo registro. e depois de anos sem pensar neste assunto, penso: como não considerar estas fotos como arte? são em tese retratos banais, de um almoço na casa de amigos. são pessoas comuns, cenários comuns. mas o amor e as emoções retratadas são universais. a alegria do otto é a alegria de todas as crianças do mundo que sorriem porque existem e amam; o olhar de abandono do menino e de proteção do pai representam todos os pais e todos os filhos da história da humanidade.
não tenho o devido afastamento para julgar, de verdade, mas pra mim essas fotos podiam ir diretamente para uma exposição de arte. ou para um dicionário, nos verbetes “alegria” e “proteção”.
obrigada, dri.
<3
Zel, novamente vc me emocionou, estou disfarçando as lágrimas que insistiram em cair aqui no trabalho!
Obrigado por falar tudo o que sempre pensei sobre fotografia!
ah, querida, eu que agradeço todo esse carinho fotografando meus meninos <3 <3
É engraçado você falar disso e eu como pessoa que largou a TI de lado pra ir viver o sonho da fotografia ficar emocionada com isso. Eu vivo o sonho da fotografia justamente por essa coisa social/jornalística que aproveita momentos lindos como a do Fernando segurando ternamente o Otto e a foto não precisar de legenda, ela fala por si só.
As fotos são lindas e dignas de quadro pra pendurar na sala, mas não um quadro de uma foto de 10×15 mas uma maior, enchendo uma parede de amor… por que é isso que a foto traz, o sentimento além da lembrança.
Lindo texto! Beijos
que legal! acho que nunca conheci alguém que abandonou outra carreira pra fotografar 🙂 que opção legal. um beijo, e obrigada.
incrível. eu tbm imaginei as duas fotos em painéis grandes, tipo parede inteira … sem palavras para essas fotos. vc disse tudo, zel. esse é o tipo de arte que inspira contemplação …. já vi essas fotos lá no face mas são tão impactantes, cada uma a sua maneira, que o olhar ainda se detêm … 🙂
bonito demais né? <3